O que aconteceu em Santiago foi o normal. Será que vai virar corriqueiro?
Quando a seleção joga, principalmente quando perde, eu fico espantado. Nem tanto com a bola. Ou resultados. O que me espanta mais são os comentários que ouço por aí sobre a seleção brasileira.
No começo do segundo tempo, estava tudo solucionado na cabeça de muitos. "Bota o Lucas Lima!", "bota o Ricardo Oliveira!", "tira o Oscar!", bota esse, bota aquele. No fim do jogo, o diagnóstico comum dos últimos anos. "O Brasil é melhor individualmente, mas o técnico é uma porcaria". O problema é "essa geração aí, que só tem um craque, os outros são comuns".
Sacaram? Na verdade nas décadas passadas foi uma questão de sorte, vários jogadores nasceram bons ao mesmo tempo. Seria a epidemia de cesáreas a culpada pela decadência do futebol brasileiro?
Acho que uma coisa que falta por aqui é entender, de uma vez por todas, a concepção de que o futebol é um esporte coletivo. E isso importa muito, muito, muito, muito mais do que qualquer individualidade. Eu sei que é difícil. Desde criança somos ensinados assim. Na escola, o herói-gostosão-ídolo é quem mete o gol, não é o team player. Ouvimos a vida inteira que seleção brasileira é lugar "para os melhores", e não que seleção brasileira é um grupo de trabalho que precisa ser formado por indivíduos que funcionem uns com os outros e busquem, em conjunto, um objetivo comum.
A frase "o Brasil é muito melhor individualmente, mas o Chile tem mais time" é uma frase que não pode merecer atenção nem debate.
Ela só merece uma pergunta: "e daí?"
O Chile é melhor que o Brasil já há alguns anos. E se o Brasil tem um punhado de jogadores "melhores" na cabeça de alguns, isso pouco importa.
No passado distante, a individualidade resolvia. Já há pelo menos quatro décadas as evoluções tática e física restaram importância do puro talento.
O que aconteceu hoje em Santiago foi o normal.
E não é vergonha nem pequenez admitir tal fato. Já faz tempo, no futebol globalizado, que o Brasil não é dominante como muito torcedor desavisado pensa.
O que aconteceu em Santiago é normal. E é necessário trabalhar não para que volte a ser anormal, porque nunca mais será, mas, sim, que não passe a ser corriqueiro.
O Chile é o campeão da América. Um ano atrás, veio ao Brasil e só não eliminou a seleção anfitriã da Copa por uma bola no travessão e os pênaltis. Jogava em casa. Foi lá e fez o que se esperava. Nunca é fácil, logicamente. O Brasil não é mosca morta. Mas, quando o jogo se colocou difícil para o Chile, o treinador, que domina jogadores e automatismos, fez as mudanças táticas que precisava.
O Brasil tem, sim, bons jogadores. Mas, ao contrário do que fazem muitas seleções do mundo há tempos, não forma times. Não tem continuidade ao longo das gestões. Não tem escola, uma forma de jogar. Filosofia. Troca peças como trocamos de roupa. Meteu gol? Titular na próxima partida. Foi mal? Fora da próxima convocação. Campeão? Somos penta! Perde jogando bem? Somos um fracasso, ninguém presta. Buscamos vilões.
Tudo é baseado em individualidades. Não cultivamos cultura esportiva, espírito coletivo.
O que vemos na seleção brasileira nada mais é reflexo do que fazemos e pensamos. Portanto, é simplista achar que trocas de jogadores e treinador resolverão os problemas do futebol do Brasil.
Com isso, não estou isentando ninguém de suas responsabilidades. Também porque não há processo algum para mudar a lógica citada acima. Muito pelo contrário. É verdade que vemos alguns treinadores jovens (e outros nem tão jovens) no Brasil com ideias diferentes. Mas a cadeia de comando do futebol brasileiro segue com mentalidade antiquada, honestidade duvidosa e pouco faz para melhorar o nosso esporte preferido.
O problema é que isso está disseminado. Somos o país em que um treinador estrangeiro de alta qualidade vem e, em vez de tentarmos aprender, rotulamos de "inventor".
Nesse aspecto, o 7 a 1 não serviu para nada. Perder outras mil vezes tampouco servirá, porque logo virá alguma vitória para acalmar os ânimos.
Não vejo a cobrança de resultados e deste ou daquele jogador do time como fatores que contribuam para a melhoria das coisas.
Na minha visão, Dunga deve ser essencialmente cobrado por não ter conseguido criar fórmulas e alternativas de jogo, não por ter escalado este ou aquele. No segundo tempo, o Brasil teve inúmeras chances de contra atacar o Chile. Somente quatro jogadores tinham clara "permissão" para avançar. Este é o modelo que queremos?
A concepção de futebol moderno não é exatamente "todos defendem, alguns contra atacam". O que será feito terça, contra a Venezuela, quando a obrigação da vitória estará do lado de cá, não de lá?
As eliminatórias sul-americanas serão duríssimas. Há muito equilíbrio. Chile, Colômbia e Uruguai têm justamente o que o Brasil não tem, continuidade e ideia de jogo. A Argentina é forte e também evita as radicalizações de comando e jogo. O Equador é casca na altitude, o Peru é uma seleção bem treinada, o Paraguai parece estar renascendo.
Apesar de se reinventar a cada dois ou quatro anos, o Brasil vai se classificar. Seja jogando assim, seja com o técnico que for. Mas até quando? Será que poderei "cravar" essa vaga na eliminatória para 2022? Será que não é hora de pararmos de debater coisas inúteis, como as individualidades, e passarmos a cobrar de quem realmente manda um plano para o futuro?
Até quando teremos de admitir que o Chile é melhor que o Brasil? Ou, ainda pior: até quando veremos gente se recusando a aceitar esse fato?
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