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Julio Gomes

Osorio e Doriva podem ser criticados. Mas os maiores vilões são outros

Julio Gomes

07/10/2015 16h52

Não aprovo, de forma conceitual, o que fizeram Osorio e Doriva.

Um saiu do São Paulo para o México após quatro meses de trabalho, nem na metade de um projeto promissor. O outro levantou a Ponte Preta e abandonou o barco ao receber proposta de um clube maior.

Mas quem pode criticá-los?

Como eu disse na primeira frase deste post, não gosto de forma conceitual, porque acho que as pessoas devem cumprir os ciclos profissionais que assumem. No entanto, de forma prática, todos sabemos que os técnicos não têm razão alguma para acreditar em seus empregadores.

Doriva e Osório fizeram o que consideraram melhor para eles

Doriva e Osorio fizeram o que consideraram melhor para eles

Se Osorio sonhava em treinar uma seleção bacana em uma Copa do Mundo, acho que demorou até demais para deixar o São Paulo, após todas as lambanças e mentiras da diretoria. Percebe-se que o colombiano ficou balançado, mas os acontecimentos dentro do clube devem ter sido definitivos para a tomada de decisão.

Doriva, com uma carreira curta e promissora, já vai ganhar logo logo o rótulo de "treinador que abandona o clube sem dó se aparecer uma oportunidade melhor". Mas o Vasco não teve dó dele, teve?

E a Ponte Preta, que hoje vai reclamar da saída, não teve dó de Guto Ferreira, teve?

Não há santos nessas histórias de troca-troca. Os treinadores, de uma forma ou outra, são pessoas físicas, com esposa, filhos. São pessoas. São o elo fraco. É mais compreensível que tomem a atitude que considerem melhor no momento, porque sabem, e sabem porque a história nos mostra, que o clube não pensará cinco minutos antes de demiti-los.

A grande culpa dessa cultura degradante é dos dirigentes irresponsáveis, em sua enorme maioria, que passaram pelos clubes brasileiros ou que estão neles até hoje.

O troca-troca de treinadores não tem o menor comprometimento com as finanças das instituições, que, no fim das contas, são grandes devedoras de impostos para a sociedade (nosso dinheiro).

O que me impressiona mais nisso tudo é que não se tem o menor comprometimento com projetos de trabalho, filosofias.

Me lembro bem quando, lá em 2006, a Federação Inglesa resolveu entrevistar Luiz Felipe Scolari para o cargo de treinador da seleção. Na época, pensei. "Como assim entrevistar? Não conhecem os resultados do cara? É um técnico campeão do mundo!". Hoje percebo como era equivocada minha maneira de pensar.

Oras, é necessário conhecer bem a pessoa que levará teu projeto. Os interesses, visões, métodos, modo de trabalhar e lidar com crises, etc. Sim, é necessário entrevistar treinadores, como qualquer outro profissional!

Mas lógico, só tem sentido entrevistar alguém se você tem ideia do que aquele cargo requer. Se tem ideia do teu próprio projeto. E o que vemos é que dirigentes brasileiros não têm a menor ideia do que querem, do que é um projeto de trabalho com filosofia, visão específica de futebol, começo, meio e fim. O que eles sabem é de resultados. Se ganhou, serve. Se perdeu, não serve.

Se Doriva ganhou cinco jogos com a Ponte Preta, serve para o São Paulo. Se tivesse perdido três, serviria?

O São Paulo contrata Doriva porque conhece a fundo seu trabalho ou porque conhece a fundo seus resultados?

O São Paulo tem um projeto, uma filosofia, uma crença, e acredita que Doriva tenha o perfil para dar continuidade no que foi iniciado por Osorio?

A resposta é simples: não.

E ninguém tem. Ou bem poucos têm. E, mesmo os que têm, sucumbem rapidamente quando chegam os maus resultados e as críticas de torcedores e jornalistas e jornalistas/torcedores.

O que os clubes fazem, via dirigentes, é inaceitável. O que os técnicos fazem não é o ideal e é criticável, mas é compreensível.

A Ponte, que mandou embora Guto, vai reclamar da saída de Doriva? Doriva, que largou a Ponte, cai reclamar quando for demitido pelo São Paulo no ano que vem ou no outro? O São Paulo, que roubou Doriva da Ponte e mandou 200 técnicos embora recentemente, vai reclamar de Osorio?

E a vida segue, com esse ciclo lamentável de instabilidade e busca exclusiva de resultados, não de trabalho consistente e bem feito.

Há maneiras de minimizar isso?

Certamente. Uma é a responsabilização dos dirigentes pelas finanças dos clubes e a cobrança, por parte do Estado, de quem deve os tubos para ele (para nós, portanto). Se a parte financeira fosse tratada de forma séria, como a de qualquer empresa, a bagunça seria menor.

Outra seria proibir treinadores de atuarem em dois clubes no mesmo campeonato.

Se ele deixar um clube, não poderá assumir outro do mesmo campeonato e terá de pagar uma multa grande – por exemplo, devolver o próprio valor de salário acordado até o fim do contrato.

Se um clube demitir um técnico, terá de pagar os salários até o final do contrato na hora, à vista.

Se o mercado fosse menor, clubes não sairiam mandando treinadores embora com a atual facilidade.

É claro que logo o "jeitinho brasileiro" iria entrar em ação. Clubes iriam contratar auxiliares, tendo o treinador fulano por trás de tudo. Mas há maneiras de fazer com que esse esquema seja problemático. Basta exigir transparência nas finanças dessas instituições.

Sinceramente, não acho que nada disso vá acontecer. Porque para dirigentes e mesmo na cabeça de muitos treinadores é conveniente que continue a dança das cadeiras.

Somos uma sociedade em que cada um cuida do seu e ninguém está nem aí para o outro. Por que no futebol seria diferente?

É o 7 a 1 eterno.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.