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Julio Gomes

Por que, afinal, Neymar apanha tanto?

Julio Gomes

29/03/2015 13h08

Quando Gary Medel pisa na batata da perna de Neymar, com o adversário caído, não fazendo questão alguma de não estampar as travas de sua chuteira, como se fosse uma tatuagem, não deveria haver muito debate.

Sobre o lance, é vermelho. E acabou. Quando um jogador de futebol recorre à violência, ele deve pagar o preço disso. A punição está prevista, há regras. Cartões amarelo, vermelho, suspensões. Não estamos aqui para debater Medel, mas para debater Neymar.

Medel não é o primeiro nem o último a "atacar" Neymar em campo. No próprio amistoso deste domingo, em Londres, Isla, por exemplo, foi outro a dar um carrinho-quase-tesoura-que-poderia-ter-quebrado. E podemos aqui ficar horas enumerando casos de jogadores, no Brasil e no mundo, que entraram em Neymar com algo mais do que a intenção de roubar-lhe a bola.

Por que?

Por que, afinal, Neymar apanha tanto?

Se estou escrevendo sobre isso, é porque não considero fácil aceitar a simples (simplista) resposta que muitos dão: "porque o Neymar é craque e joga muito".

Oras. Que craques apanham, todos sabemos. O futebol é assim, é parte do jogo. Atletas com habilidade, velocidade, capacidade de decidir partidas são alvos de outros que têm a missão de pará-los de alguma maneira. Muitas vezes, com faltas. Muitas delas, duras. Não estamos falando aqui de algo inerente ao esporte.

Estamos falando de algo mais. Está claro que Neymar apanha mais do que a média. E muitas destas entradas vão além da necessidade defensiva do momento.

Messi apanha como Neymar? Não. Nem de perto. A memória não me permite nem lembrar de entradas criminosas em Messi. Deve ter havido aqui e ali, mas apanhar nunca foi a marca da carreira dele. E Cristiano Ronaldo? Idem. Não há, na Espanha, campanha alguma para que "árbitros protejam nossos craques". E tantos e tantos e tantos outros jogadores que, como os já citados, definem ou definiam jogos, sofriam faltas, mas não eram alvos de maldade extrema.

Usei meu canal do Twitter para sentir dos amigos seguidores o que eles achavam. Por que, afinal, Neymar apanhava tanto? Muitos insistiram na questão da simulação e do exagero de Neymar ao sofrer faltas. "Jogador que pula dá raiva", disse um. "É a atitude de levar uma falta e, por menor que ela seja, ele rolar pro lado como se tivesse perdido a perna", disse outro. Alguns levantaram o fato de ele ser "franzino". Outros, de ser "folgado".

Na Inglaterra, onde aconteceu o lance com Medel, neste domingo, Neymar foi criticado. Sabiam? Pois é. Criticado pelo exagero. Lá, pior do que bater em alguém é exagerar a dor, tentar levar o árbitro a tomar uma atitude que não tomaria. Dissimular. Não entrarei nesse debate sobre como o inglês vê futebol. Mas é importante ter uma visão mais ampla do tema. Nem todos pensam como aqui no Brasil, em que a violência do rival "encerra" a discussão.

O amigo Marcelo Bechler, jornalista que sabe como poucos, comentou: "Neymar tem que reagir conforme as ações pra ser levado à sério. Não adianta rolar como se fosse perder a perna e levantar 20s depois."

Mas vejam. Cristiano Ronaldo também é criticado não Europa por ser um "diver". Simular, exagerar. E, ainda assim, não apanha como Neymar.

Talvez a resposta passe pela atitude, pelo que Neymar fale e faça dentro de campo. Seja pelo que fala ou pelos próprios gestos corporais, talvez Neymar seja visto pelos adversários como alguém que humilha, debocha. Irrita.

Vejam. Não é uma irritação causada pelo drible, o gol. É a irritação causada pelo drible humilhante e desnecessário, que não signifique um ganho de espaço ou criação de chance pelo time dele.

"Mas Julio, futebol é isso aí".

Não estou aqui para concordar ou discordar. Apenas precisamos estar atentos para o fato de que muitos jogadores, aliás, a maioria, não considere que futebol "seja isso mesmo". E se fazem ouvir através de botinadas.

Neymar já perdeu uma semifinal de Copa do Mundo por uma entrada dura que tomou. Não foi, aquela de Zuñiga, uma entrada para machucar, nada parecido com o que fez Medel em Londres. Foi uma entrada de jogo para parar um contra ataque. Mas percebe-se que os rivais não têm muita preocupação em não machucar Neymar.

É isso o que ele quer para a carreira? Apanhar, apanhar, apanhar e correr o risco de perder momentos importantes de sua história, que já é brilhante e será ainda mais?

Talvez, para Neymar, sua atitude em campo seja apenas parte de seu jogo. E assim será. Mas talvez pequenas mudanças lhe dariam mais segurança em campo, renderiam menos pisões, sem comprometer a eficiência.

Entender por que as coisas acontecem, muitas vezes, tem mais utilidade do que reclamar e chorar o acontecido.

Para pensar.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.