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Julio Gomes

Prazer em conhecer, este é o novo Barça. E ele até lembra o velho Real...

Julio Gomes

22/03/2015 19h31

Se havia alguma dúvida, agora já não existe mais. O Barcelona da posse de bola, aquele time que encantou e ganhou muito com uma filosofia de jogo bastante específica e marcante, não existe mais. O superclássico espanhol desde domingo, no estádio Camp Nou, teve uma curiosidade.

O Barça, que ganhou por 2 a 1, lembra mais o Real Madrid da época de José Mourinho do que o próprio Madrid atual, campeão da Europa com Carlo Ancelotti. Em apenas três anos, os papéis de inverteram.

Isso é boa ou má notícia? Possivelmente, nem uma coisa nem outra. É apenas sinal dos tempos.

O Barça mudou o futebol mundial com seu jogo técnico, de pressão e posse como essência. Muitos times e seleções do mundo se inspiraram nele, o jogo sofreu uma alteração de rumos a partir do caminho mostrado pelos catalães. E, lá em 2013, quando o Bayern de Munique simplesmente massacrou o Barça na semifinal da Champions League, já havia ficado claro que o modelo estava ultrapassado. Ou melhor, havia sofrido evoluções que foram simplesmente ignoradas pelos criadores.

Muitos elementos, como a priorização da técnica (em vez da força), a valorização do controle da bola e, especialmente, a pressão, com envolvimento dos jogadores mais talentosos nas tarefas defensivas, foram incorporados por praticamente todos no mundo do futebol. Outros elementos apareceram, no entanto. E o jogo foi ganhando verticalidade, como o próprio Bayern e o Real Madrid nos mostraram.

Foi Gerardo Martino quem primeiro tentou atualizar o jogo catalão. O argentino chegou ao Barcelona quase dois anos atrás e quis implementar um futebol mais direto. Apanhou de todos os lados. Em muitos momentos, o Barça parecia um time sem identidade. Não era nem uma coisa nem outra. Trocou o plano sem trocar as peças. Nenhuma transição é fácil, e esta parecia quase impossível de ser concretizada.

Martino se foi, Luis Enrique chegou e o discurso se manteve. Que o Barça tem uma identidade, um estilo, etc, etc, etc, etc e tal. A real é que peças mais apropriadas para um jogo novo chegaram. E, pouco a pouco, o Barcelona foi ganhando força na temporada com um jogo mais, digamos, comum. Mais próximo do já praticado por outras forças europeias (incluindo o Bayern de Guardiola)

No clássico, o Barça fez exatamente o que o Real Madrid costumava fazer. Gols do nada. Omeletes sem nem quebrar os ovos.

O primeiro gol saiu de uma bola parada. Messi levantou na área, Mathieu fez de cabeça. Mathieu, um zagueiro/lateral para lá de comum, contratado no início da temporada. Mas vejam. Faltavam jogadores altos, o Barça sofria muito nas bolas aéreas. Anos atrás, a falta na lateral da área nem mesmo se transformaria em uma bola alçada. Possivelmente, seria dado um passe de lado e o jogo recomeçaria. O Barça atual cruza a bola e ainda se dá ao luxo de meter gols de cabeça.

O Real Madrid, apesar do gol, dominou completamente o jogo no primeiro tempo. Controlou o meio de campo, mostrou-se mais coeso e teve, no croata Modric, a figura que Xavi representava no velho Barça. Empatou em uma jogada à la Barça das antigas, com troca de passes, penetração, muita qualidade. E quase virou o jogo, não fosse um milimétrico impedimento de Cristiano Ronaldo. No segundo tempo, a toada era a mesma. Um Real dominante, um Barça perdido e com linhas muito distantes.

Até que…

Daniel Alves encontrou um belo lançamento para Luis Suárez. Lançamento. Coisa que não existia no Camp Nou até 2013. Alguns chamariam até de chutão. Mas Suárez se desloca como poucos entre linhas. Rompeu o impedimento e, com o bico da chuteira, fez um domínio brilhante, suficiente para habilitá-lo a chutar no contrapé de Casillas, fazendo o 2 a 1. Um golaço.

O Barcelona não fazia nada. E, assim, de repente, estava à frente no placar. Como o Real Madrid dos velhos tempos fazia. Gols que saíam do nada.

Aí sim, com o 2 a 1, o jogo mudou. O Real se perdeu em campo, sentiu o golpe e o Barcelona, que em outros tempos priorizaria o comando do jogo, tirando velocidade dele, fez exatamente ao contrário. Acelerou e foi criando uma chance de gol atrás da outra. Messi, Suárez, Neymar, Alba, todos tiveram chances. Não goleou porque falhou muito (especialmente Neymar, tomando decisões erradas nos momentos decisivos) e porque Casillas impediu um par de anotações.

Para dar aquela ratificada em tudo o que estou contando, Luis Enrique ainda fez duas substituições emblemáticas. Tirou os armadores, Iniesta e Rakitic, e colocou Busquets (proteção aérea) e Xavi em campo.

O novo Barcelona passou de sua prova de fogo. A mudança de rumos e mentalidade está implementada e é esse Barça que abre quatro pontos na liderança do Campeonato Espanhol e caminha firme rumo à reconquista do título nacional.

Tem torcedor do Real Madrid que vai lamentar a derrota, mas mostrar-se satisfeito pelo futebol brilhante apresentado na maior parte do jogo. Tem torcedor do Barça que vai lamentar o estilo perdido, mas comemorar a vitória.

Quem diria.

Sinal dos tempos, nada mais.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.