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Julio Gomes

'Dunga 2, a Missão'. O trailer mostra que o filme será parecido

Julio Gomes

06/09/2014 15h03

Você se lembra da seleção de Dunga? Era um time difícil de ser batido. Tinha um grande goleiro, um sistema defensivo sólido e grande velocidade nos contra ataques. Um jogador diferenciado, Kaká, especialista em fazer a transição com rapidez, mudança de ritmo e talento para driblar e finalizar. Um atacante alto e goleador que, aliado aos zagueiros, bons de cabeça, fazia com que a bola parada fosse uma arma. E um segundo atacante, Robinho, que já havia se habituado a jogar com o comprometimento defensivo que havia aprendido no futebol europeu.

Era bonito?

Depende do gosto do freguês. Mas, cada vez mais, acho que o tal "jogo bonito" brasileiro virou algo abstrato e difícil de ser definido e exemplificado. O que vejo em estádios de futebol e nas conversas de bar, além, claro, da interação com os leitores nos posts, Twitters e Faces da vida, é que as pessoas gostam de: 1) ganhar, não importa como; 2) velocidade, jogadores rápidos e "insinuantes"; 3) raça, não ter bola perdida.

Bonito, para o brasileiro, é ganhar. Só isso. Ganhar.

Por que o apaixonado pelo futebol no Brasil virou um cara que gosta só disso? Aí é assunto para outro post. Tem a ver com muita coisa. Mas, se for para escolher só uma das razões, eu diria que é a queda vertiginosa de qualidade do futebol jogado aqui no Brasil em 20 anos. Isso gerou o "fim" da escola brasileira de toque e qualidade. E o pensamento generalizado de "bom, já que é ruim de ver, pelo menos que meu time ganhe o jogo". E, para ganhar jogos e campeonatos nivelados por baixo, raça e velocidade são uma boa combinação. Se defende, contra ataca, faz um gol, segura, ganha, fica feliz.

Então, voltando à pergunta lá de cima. É bonito o Brasil de Dunga? A resposta é sim, creio. Não para mim. Mas para a maioria das pessoas que seguem o futebol.

O Brasil de Dunga fazia o que o torcedor atual gosta. Jogava com muita vontade, com fome e comprometimento, se defendia bem, contra atacava com velocidade, ganhava jogos e campeonatos. Ganhou Copa América, ganhou Copa das Confederações, ganhou na Argentina, ganhou no Uruguai. Perdeu da Argentina na Olimpíada (de um time que, quase inteiro, acaba de ir à final da Copa). Perdeu da Holanda na Copa. Normal.

As duas derrotas foram normais, para quem entende que o futebol hoje é algo equilibrado, estudado, que não se ganha com camisa.

A re-estreia de Dunga, contra a Colômbia, indica que a história será parecida neste ciclo de quatro anos.

A boa notícia é que Dunga, ao contrário de outras "vacas sagradas" (e acomodadas) do futebol brasileiro, está atualizado em relação ao futebol que se joga por aí.

O Brasil mostrou sinais que vai absorver, goste-se ou não, o que está sendo feito no futebol de alto nível. Marcação adiantada e envolvendo os 11 jogadores. Laterais que sobem menos e se preocupam mais em defender do que atacar. Meio campistas que mais aceleram e finalizam do que pensam e determinam diferentes ritmos. Só vai faltar mesmo, e vai faltar porque não tem, porque não criamos, volantes que propiciem grande qualidade na saída de jogo.

Esse vai ser o ponto fraco do time e já pôde ser observado contra a Colômbia. O Brasil jogou o segundo tempo todo com um a mais e, mesmo assim, teve dificuldades imensas para criar volume, para chegar à área com frequência, para envolver o adversário. Essa não era a característica do time de Dunga 1 e não vai ser da versão 2. Em jogos com cenários assim, o Brasil sofrerá.

Em compensação, deve ter "grandes atuações" quando fizer um gol no início, quando estiver na frente do placar ou quando enfrentar seleções que deixem espaço. E tem um ponto fortíssimo na individualidade, na chance de Neymar decidir as partidas, como fez na cobrança magistral de falta em Miami. Entre sair na frente ou sair do buraco com alguma genialidade de Neymar, estamos falando da enorme maioria dos jogos que o Brasil fará até a Copa da Rússia, daqui a quatro anos.

Verdade seja dita, o plano de jogo de Felipão em sua versão 2 na seleção era parecido com esse. Mas com duas diferenças fundamentais: a teimosia de jogar com um camisa 9 lento e uma defesa menos protegida, pelos avanços dos laterais e a compactação menor dos meio campistas. Se você deixa só Neymar isolado na frente, como fez Dunga, um jogador a mais contribui bastante na marcação no meio – como fez Tardelli.

A partida contra a Colômbia foi horrorosa, especialmente pela violência (liberada por um juiz ruim). A Colômbia parecia disposta a devolver tudo o que apanhou no jogo de Fortaleza. Por causa da lesão de Neymar, naquela partida da Copa, ficou a impressão que quem havia batido havia sido a Colômbia. Quando na verdade foi o contrário, e a seleção brasileira se beneficiou muito disso para vencer. Em Miami, veio a vingança. Os colombianos bateram como se não houvesse amanhã. Uma pena para o espetáculo.

Argentina 4 x 2 Alemanha foi muito mais legal para quem gosta de ver futebol. Mas Brasil 1 x 0 Colômbia teve aquele tom de competitividade que os amistosos não costumam ter.

Serão eliminatórias difíceis para a seleção brasileira. Argentina, Colômbia e Chile são muito fortes, o Uruguai é o Uruguai. Serão duas Copas Américas também difíceis, pelas mesmas razões.

Muita competitividade será necessária. E isso, com Dunga, o Brasil terá. Para quem só se importa com os resultados, creio que a nova era Dunga será satisfatória.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.