Topo

Julio Gomes

O Real Madrid e suas (discutíveis) escolhas para a temporada

Julio Gomes

31/08/2014 21h17

Em time que está ganhando, não se mexe.

Uma das frases mais batidas do futebol é também das que mais me irrita. No futebol, como em qualquer setor de atividade, em time que está ganhando se mexe, sim senhor. Mexe-se em busca da evolução, mexe-se para que a concorrência não te alcance, mexe-se porque quem tem espírito vencedor sabe que ficar parado é o pior dos recursos.

No futebol, curioso, parece que a roda gira de forma contrária a de um investidor em mercado de valores, por exemplo. No mercado, compra-se na baixa para vender na alta. No futebol, é vetado vender na alta.

Os anos passam e, claro, aí as análises ficam fáceis. O Corinthians do Tite foi campeão mundial e depois desabou porque não se livrou dos veteranos! O Barcelona de Guardiola, o Real Madrid os Galácticos, o Milan de Maldini…

Falar depois é fácil.

O difícil é mudar time que está ganhando. Pois bem. Foi o que fez o Real Madrid para a temporada que está começando. O time que conquistou a "Décima" perdeu dois dos três integrantes de seu meio de campo titular: Xabi Alonso e Angel di María.

Para o lugar deles, vieram Tony Kroos e James Rodríguez. Ou melhor (e isso muda tudo): primeiro, vieram esses dois. E depois saíram os outros dois. O clube abriu mão de quem tinha em função de quem passou a ter.

O meio com Xabi, Modric e Di María agora terá Kroos, Modric e James. O ataque segue com Cristiano Ronaldo, Bale e Benzema. No gol, Casillas voltou a ser titular absoluto também nos jogos de liga. Diego López foi embora, e o contratado Keylor Navas esquentará banco.

A priori, pois, o Real Madrid fez o que clubes nunca fazem, mas deveriam fazer mais. Ganhou, trocou.

Mas será que trocou bem?

Di María, o melhor jogador da final da Champions League, contra o Atlético de Madri, foi para o Manchester United por 100 milhões de dólares. É verdade que nunca o Real havia vendido alguém por tanto dinheiro. É verdade que nunca um clube inglês havia desembolsado tanto por alguém. Soa como um grande negócio.

Mas Di María, ao contrário de outros tantos que vemos e vimos por aí sendo vendidos por uma grana substancial, é um jogador de muito futuro pela frente. Somente 26 anos de idade, poucas lesões, muito futebol.

Um atleta perfeitamente adaptado ao clube e à liga espanhola, completíssimo, que pode atuar como atacante, ponta pelos dois lados, organizador de jogada, lateral, que tem drible para desmontar retrancas e que defende muito bem. Um jogador de alta quilometragem e veloz tanto nas transições ofensivas quanto defensivas. Não dá para encontrar muitos atletas mais completos e adaptados ao futebol que se joga hoje em dia.

Vale 100 milhões de dólares? Pelo que vimos nos últimos anos, na Champions e na Copa do Mundo com a Argentina, e pela maneira como o futebol de hoje em dia é jogado, a resposta é um retumbante "sim". Não tem a espetacularidade de Neymar. Não tem a velocidade e a quantidade de gols que entrega Bale. Mas faz mais coisas que os dois. Talvez mais que os dois juntos.

James Rodríguez, o "substituto", nunca foi, no Porto ou no Monaco, o brilhante meia que vimos na Copa do Mundo. Possivelmente só o holandês Robben tenha jogado mais do que James, individualmente, em terras brasileiras. Provou que tem um potencial incrível, mas nunca mostrou a consistência.

James custou ao Real mais ou menos os mesmos 100 milhões de dólares. Tem variável aqui e ali, comissão, câmbio, etc. Para resumir. O Real vendeu Di María pela mesma grana que gastou para comprar James. Um jogador de 23 anos, portanto 3 a menos. Mas com repertório menor do que o de Di María. Talvez não ofensivamente, mas definitivamente no jogo de campo inteiro.

O James da Copa do Mundo atuava solto, com total liberdade, quase como um segundo atacante no sistema ofensivo da Colômbia. O que atuou neste domingo, contra a Real Sociedad, pela segunda rodada da liga espanhola, ficou preso ao lado direito do campo. Não ajudou na defesa e pouco apareceu no ataque. Vai ter de se adaptar a um posicionamento com o qual Di María tem absoluta familiaridade – e eficiência.

O Real Madrid já vencia a Real Sociedad por 2 a 0 com 10 minutos de jogo. Que máquina! Placar final? 4 a 2 para a Real Sociedad. Em um campeonato em que as disputas com o Barcelona costumam ser tão ponto a ponto até o fim, esta é uma derrota que pode custar caro. Não porque seja absurdo perder pontos em San Sebastián. Mas pelo modo como a virada ocorreu.

A Real Sociedad usou e abusou dos cruzamentos para a área e, assim, chegou ao placar. Cruzamentos que não saíam dos pés adversários tão facilmente quando Di María ajudava Marcelo (atropelado neste domingo) ou quando Xabi Alonso fechava como peça de apoio. Cruzamentos que tampouco levavam tanto perigo com a presença de Diego López, um goleiro com mais qualificação na bola aérea do que Iker Casillas.

Com Bale e Cristiano Ronaldo, que não estava no domingo, dois dos mais velozes jogadores do mundo, raramente um time à frente no placar permite viradas. Ainda mais com um lançador quase perfeito, como Xabi Alonso (ops!).

À frente da defesa, durante todo o segundo tempo, o Real Madrid deixava um enorme buraco. Tony Kroos, no Bayern, não jogava como primeiro volante único. Sempre teve companhias, especialmente de Lahm ou mesmo Schweinsteiger. No sistema de Guardiola, com mais posse e menos verticalidade, Kroos poderia ser primeiro volante por muitos momentos. Na maneira como joga o Real Madrid, ele e Modric não serão suficientes para ajudar o time defensivamente. São parecidos, não se complementam. O general era Xabi Alonso.

Tony Kroos é contratado para ser o "Xavi do Real Madrid". Mas vejam. Xavi desponta no Barcelona dentro de um contexto de jogo, praticado por anos desde as categorias de base. As coisas não são tão simples. É óbvio que o investimento em Kroos, um campeão do mundo, é mais do que justificado. Mas ele não é um jogador "plug and play". Perder Xabi Alonso não deveria estar nos planos.

Ambos, Xabi e Di María, saem por não se sentirem importantes no novo ciclo que se inicia. Mais por uma questão de valorização profissional do que um valor aqui ou ali.

Marcelo, um ótimo lateral ofensivo, mas longe de ser completo. Benzema, um atacante que faz mais gols pela circunstância do futebol na Espanha do que outra coisa. O próprio Casillas, um ícone, mas não tão confiável e milagreiro como antigamente. Khedira, um volante normal e valorizado pelo título alemão. Mesmo Modric, que vale hoje o que nunca mais valerá.

Talvez fosse possível mexer no "time que está ganhando" de forma mais inteligente. Fazer caixa com quem, em alguns anos, talvez não valha o mesmo que vale hoje.

Perder Di María e Xabi Alonso, ao que parece, fará o Real Madrid pagar certo preço nesta temporada. E talvez nas próximas.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.