Topo

Julio Gomes

Final tem o time mais legal contra a torcida mais legal da Copa

Julio Gomes

12/07/2014 16h43

Foi o ótimo repórter Renato Ribeiro, da TV Globo, que mostrou. A expedição alemã, chegando ao resort em Santa Cruz Cabrália após um treino, para de repente. A porta da van se abre. Schweinsteiger desce para dar um abraço no seu Tibúrcio.

Um baiano como tantos outros, apaixonado por bola e música. O homem que é visto no vídeo ensinando os jogadores alemães a dançarem o lepo lepo. Não fala uma palavra de alemão. Schweinsteiger não fala uma palavra de português. Mas aponta para a barriga saliente de Tibúrcio e brinca: "brazuca". O nome da bola da Copa.

Esta é apenas uma das dezenas de historinhas que fizeram o brasileiro que acompanhou a Copa e minimamente viu TV e leu notícias na Internet a se apaixonar pela seleção da Alemanha.

Em nossa redoma de preconceitos e frases feitas, os alemães eram vistos como "frios", "mal humorados", "grossos". Claro, quem esteve na Copa de 2006 já sabia que os alemães não eram bem assim, mas a mídia (mea culpa aqui) se encarrega de perpetuar percepções.

A seleção alemã quebrou tudo isso após uma passagem magnífica de um mês na Bahia. Logo no desembarque, o famoso viral do "Bora Bahêa". Teve lepo lepo, jogador batendo bola na praia com locais, briga de galo no mar, filme ao som de Tieta, camisa reserva inspirada no Flamengo, dança e doações aos índios pataxós. Aqui tem um resumo.

Isso tudo, claro, sem contar a conta de Lukas Podolski no Twitter. Uma febre.

Os caras conquistaram de tal maneira a população local que, mesmo após os humilhantes 7 a 1 no Brasil, saíram rumo à final sob aplausos e rojões, não xingamentos e pedradas. (ufa)

Antes do primeiro jogo da Alemanha na Copa, na Fonte Nova, contra Portugal, eu estava fazendo uma reportagem sobre a proximidade entre brasileiros e portugueses, as dezenas de fãs de Cristiano Ronaldo, como a torcida estaria do lado deles no estádio. Foi quando um morador da favela próxima ao estádio me interrompeu dizendo: "veja bem, não é bem assim não".

Ele contou como as pessoas da Bahia estavam encantadas com o carisma dos alemães e as ações sociais que eles estavam promovendo no vilarejo. "O estádio estará dividido, a favela está com os alemães", me disse. Foi a primeira vez que minha atenção foi chamada para algo que se cristalizou ao longo do último mês.

E não foi só a seleção alemã que se comportou de forma magnífica! Na porta do Mineirão, alguns torcedores com a camisa do Brasil apontavam o dedo na cara dos "inimigos" e gritavam de forma ameaçadora "ei, alemão, vai tomar no c*". A resposta? Abraços.

Conforme a hora do jogo se aproximava, os cânticos de xingamento (será que algum dia o torcedor de futebol brasileiro será capaz de gritar alguma coisa sem xingar e ofender o adversário?) foram se transformando e passaram a ser direcionados aos argentinos. Claro, de que adiantava "apavorar" os alemães se 1) eles não entendiam e 2) eles te abraçavam, riam, tiravam fotos e cantavam juntos.

Não vieram muitos alemães para cá. Em compensação, tivemos invasões de chilenos, colombianos, mexicanos e, claro, argentinos.

E ninguém pode tirar dos argentinos o título de torcida mais legal da Copa.

O time não passou nem perto do alemão. Nem na bola nem na simpatia nem na interação. Mas a torcida argentina foi um show à parte durante o Mundial.

Na ausência de uma trilha sonora da Copa (convenhamos, a música oficial é lamentável e não "pegou"), o que mais ouvimos, disparado, foi o tal "Brasil, decime qué se siente". Inventado logo antes da Copa, para a Copa e que virou o hit deles.

A música original é de muito bom gosto (do meu gosto): "Bad Moon Rising", do Creedence Clearwater Revival. Não tem nenhuma ofensa, apenas uma provocação bastante aceitável. E pegou, simplesmente pegou. Não tenho dúvida alguma que haverá torcida organizada brasileira adaptando essa música para os nossos estádios logo logo.

A torcida brasileira, claramente formada por quem não está acostumada a ir a estádios, limitava-se ao "sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor". Que não é tão insuportável assim, também. Eu não gosto, mas de repente foi satanizada uma musiquinha que as pessoas realmente gostam de cantar. Mas tampouco ajuda a inflamar o time no campo. Com a coisa dos sul-americanos e mexicanos estarem se mostrando muito mais ativos, criou-se a celeuma.

Até Felipão veio ao Jornal Nacional pedindo para a torcida cantar um pagode (!) do gosto dos torcedores. Alguns passaram a imprimir panfletos adaptando músicas de times daqui para a seleção. Nada disso deu certo, lógico.

A única coisa criada durante a Copa e que "pegou" foi a dos "mil gols, só Pelé, Maradona cheirador". Ou seja, uma resposta. A torcida argentina foi tão influente durante a Copa que a única coisa que o país sede foi capaz de fazer foi tentar responder.

Eu não tenho dúvida que, entre os milhares de argentinos que vieram para cá, alguns vieram para causar. O anormal seria o contrário. Mas olhem, falo do que vi. Vi argentinos de todos os jeitos, que vieram de avião, de carro, que dormiram em hotel, na praia, nos motorhomes, homens, mulheres, idosos, casais e não vi uma confusão sequer.

Vi argentino fazendo xixi na rua? Sim, vi. Mas… hello, alguém aqui já foi pular Carnaval na vida? Não digo que é certo, é repugnante. Só digo que já deveríamos estar acostumados a isso. Nada diferente do que se faz aqui e quando torcidas daqui vão para fora do país.

Vi uma quantidade enorme de brasileiros que se surpreenderam. "Pô, os caras são legais". Não gostavam de argentinos (claro, sem nunca ter conhecido algum) e acabaram vendo que muitos dos preconceitos não cabiam.

Também vi uma enorme quantidade de brasileiros com o orgulho ferido. "Cantar aqui na minha casa, vocês não vão". A agressividade de alguns, somada à simples inexistência de canções "de futebol" em português que não ofendam o fundo da alma do rival, gerou briga aqui e ali. Sinceramente, muito mais culpa nossa do que deles.

A não ser, claro, que ser argentino, cantar e pular com as mãos meio que abanando o mundo sejam fatores suficientes para ofender alguém.

Além de "Brasil, decime qué se siente", as outras coisas que eles mais cantam são:

– Brasileiro, brasileiro, que amargurado te vemos, Maradona é maior que Pelé

– Vamos vamos Argentina, vamos ganhar, que essa torcida bagunceira não te deixa parar

– Cada dia te amo mais, sou argentino, um sentimento, que não pode parar (essa já copiada por aqui, inclusive)

– A torcida louca da Argentina, que não se esquece das Malvinas, que deixa a vida por essas cores, que pede ovos aos jogadores para ser campeões

– Voltaremos, voltaremos a ser campeões como em 86

– Já se vê, já se vê, quem não pula é um inglês

– Já se vê, já se vê, jogamos em casa outra vez

Esta página mostra algumas das canções argentinas em Copas anteriores. São as mesmas.

Se alguém aqui se ofende com isso, sinto muito. A mim, me parece um jeito bastante mais saudável de torcer do que o que vemos nos estádios brasileiros.

Aliás, tanto tem se falado da rivalidade exacerbada e os culpados por ela que separei alguns links de ótimos textos, para quem estiver interessado e estiver a fim de parar para pensar:

Afinal, o que os argentinos acham da gente?

A moda é discriminar argentinos

O tacanho ódio que devemos ter dos argentinos

Copa mostra acirramento da rivalidade Brasil-Argentina, afirma sociólogo

É o jogo da seleção mais legal e carismática contra a torcida mais legal e carismática da nossa Copa.

Será que torcida ganha jogo?

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.