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Julio Gomes

Drama contra o Chile expõe virtudes, defeitos e nervos à flor da pele

Julio Gomes

28/06/2014 21h54

Júlio César merecia a redenção. Talvez esta tenha sido a maior aposta de Felipão desde que chegou ao comando técnico do Brasil. Os anos de Mano moldaram o time que agora tenta levar o hexa, mas faltava encontrar um goleiro. O novo técnico foi lá, escolheu e ponto final. Hoje, veio a retribuição pela confiança.

Goleiro é posição de confiança e uma posição em que o cara tem de ter confiança. Júlio César era o melhor do mundo em 2010 e falhou em uma bola. O Brasil poderia ter tomado aquele gol contra a Holanda e, mesmo assim, vencido o jogo. O time inteiro se desmantelou, mas nossa mania de encontrar vilões fez com que o bom Felipe Melo nunca mais voltasse e que Júlio César ficasse marcado.

Aquele jogo de Port Elizabeth teve tamanha importância para ele que Júlio nunca mais se encontrou na carreira. Passou quatro anos por aí, sem jogar, sem saber para onde ir.

Hoje foi o dia da redenção para um rapaz que sempre defendeu a seleção dando o máximo e que certamente seria criticado pelo gol levado contra o Chile – uma bola em que daria para fazer o milagre, mas em que os erros anteriores foram mais importantes. Se quiserem saber, não é nem pelos pênaltis que eu considero Júlio César o nome do jogo, mas pela defesaça naquela bola de Aranguiz, quando o Chile dominava completamente a partida. Palmas para Scolari pela coragem e pela decisão.

Depois veio a glória e o choro que mostra a pilha dessa seleção. A pressão por jogar a Copa em casa está tomando conta de todos. É nítido.

No jogo do Mineirão, que quase virou Mineirazo, todas as virtudes e defeitos da seleção brasileira ficaram expostos.

Vamos começar pelas virtudes. O time voltou a pressionar, como fez no ano passado e como precisa fazer, se quiser ganhar a Copa. A pressão não tem apenas a função tática, mas tem a função de inflamar o torcedor. Torcida de futebol não tem mistério, ela nunca vai carregar o time, ela precisa ser carregada. A recuperação de bola e a transição rápida com Neymar são as coisas que empolgam, trazem o torcedor e deixam o Brasil perto do gol.

Positivo o jogo de Hulk, chamando para ele a responsabilidade de romper a defesa rival com dribles, velocidade e força. Hulk foi, hoje, o que Neymar não foi. Positiva a presença de Fernandinho, dando mais consistência ao meio de campo e até liberdade de movimentação para Luiz Gustavo – que, junto com Thiago Silva, tem sido o destaque do time na Copa. Positiva a presença de Marcelo em jogadas de ataque. E positiva, como sempre, a defesa, bem postada e atenta.

Tudo isso funcionou até o Brasil fazer o gol.

Aí, parece que quis atrair o Chile para ganhar o contra ataque. Só que o efeito foi o Chile gostar do jogo, passar a atuar como se sente cômodo, com a posse de bola e o domínio das ações. O gol de empate foi um presente, típico de time jovem, que perde a concentração em alguns momentos. Erro grave de Hulk, o melhor em campo mesmo assim.

Depois do gol do Chile, o Brasil voltou a ter uma num cabeceio de Neymar. Mas foi só. No intervalo, a torcida sumiu do Mineirão e foi comprar comes e bebes (nunca fiz isso em estádio, me parece de difícil compreensão). Quando voltou, nem tinha visto que o Chile, desde o minuto 1, havia tomado conta do jogo.

O segundo tempo foi inteiro do Chile. Foi um banho, com poucas chances concretas criadas por causa do enorme trabalho de Luiz Gustavo, Thiago Silva e David Luiz. A melhor foi a de Aranguiz, com a defesa fundamental de Júlio César. O Chile só perdeu o domínio do jogo quando Vidal – o melhor deles, junto com Alexis Sanchez – cansou. E aí o time inteiro cansou, porque correu demais.

Ficaram expostos os erros de Daniel Alves, a completa ausência do meio de campo, o isolamento de Fred. Ficou exposto o Brasil que sofre quando seu melhor jogador não está bem ou é muito bem marcado.

Surgiram as chances com Jô e Hulk, mas não propriamente por criação de jogo, mais por estocadas isoladas dependentes de jogadas individuais. Ninguém convoca Jô impunemente. Jô simplesmente não é jogador de Copa do Mundo. Pode até fazer o gol do título, não importa. Se Fred não funciona, que se mude o sistema.

O gol de Hulk, para mim, não deveria ter sido anulado. Infelizmente não consegui ver o replay do início do lance, que me havia parecido falta de Marcelo em Vargas. Mas, depois, não vejo com clareza o braço de Hulk. Se não tem clareza, não pode marcar. Em tempo, não foi absolutamente nada no lance em que Hulk cai no primeiro tempo pedindo pênalti. E Webb se complicou ao economizar alguns cartões para os dois lados, mas no geral se saiu bem de um jogo difícil disciplinarmente.

As reclamações de Scolari sobre a arbitragem são tão válidas quanto as do Chile antes do jogo. Pura tática pensando no próximo duelo.

Na prorrogação, o Brasil tinha a vantagem física. Mas a melhor chance foi a bola de Pinilla no travessão. E aí vieram os pênaltis e Júlio César.

O time foi pior que o Chile na maior parte do tempo, mas terá um jogo que encaixa muito melhor contra a Colômbia, time mais inexperiente, que cuida menos da bola, gosta de atacar e deixa espaços. O Chile é mais parrudo que a Colômbia.

Meus colegas analistas estão mais preocupados com o futebol do Brasil, com a ausência de meio de campo, do que com outras coisas. Eu, sinceramente, acho que a maior preocupação é o estado emocional desse grupo de meninos. Havia jogadores chorando ainda antes da cobrança de pênaltis. Durante. E, logicamente, depois. Nunca vi tamanha comoção entre profissionais ainda durante a competição. Foi uma descarga emocional sem precedentes.

Me parece que o medo de perder, de não ser o vilão histórico da Copa do Brasil, está afetando a capacidade de raciocínio de alguns. E isso nunca é boa coisa. Emoção e tensão são necessários, mas com limite e controle. O time passa a impressão de estar à beira de um ataque de nervos o tempo todo.

Essa é a maior missão de Scolari ao longo da semana.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.