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Julio Gomes

E agora, Espanha?

Julio Gomes

14/06/2014 13h56

Antes da Eurocopa de 2012, eu e o amigo Paulo Calçade, então colegas de ESPN, conversamos com Luiz Felipe Scolari sobre o torneio. Ele era técnico do Palmeiras na época. E nos disse que via a Espanha em final de ciclo. Não colocava a Espanha nem entre as favoritas para a competição, já percebia que o futebol jogado em outros lugares estava a ponto de atropelar o sistema de perfeição técnica, controle e posse dos espanhóis.

Obviamente, não aconteceu em 2012. A Espanha ganhou aquela Eurocopa, com direito a um fantástico 4 a 0 sobre a Itália na final. Mas, em 2013, o Barcelona foi humilhado pelo Bayern de Munique na Champions League. A Espanha levou um contundente 3 a 0 do Brasil na Copa das Confederações. E tudo aquilo pareceu uma transição, não derrotas isoladas.

A Espanha levou 5 gols na Fonte Nova, em um jogo em que fez 5 faltas. Imaginem o que Scolari diria aos jogadores dele se algum dia isso acontecesse com um de seus times? Só 5 faltas e 5 gols?? Meu Deus. Tudo bem que saber perder também é uma arte, mas isso se assemelha mais a uma postura de não fazer nem o que fazer para perder de menos. Poderiam ter sido mais gols do que faltas, como bem disse Van Persie após a partida.

Agora, aparentemente, chegou a hora de a Espanha passar oficialmente o bastão do futebol mundial. Não sabemos ainda para quem esse bastão será passado. Mas parece cada vez mais claro que o futebol de posse de bola está dando lugar a um jogo mais vertical, incisivo e de velocidade alucinante.

O legado espanhol é claro e inquestionável, o mundo do futebol passou a olhar a bola com outros olhos, crianças, jovens passaram a querer tratá-la bem, treinadores por todo mundo passaram a priorizar a técnica, não a força. Não gostar do estilo espanhol é algo absolutamente aceitável. Não reconhecer a superioridade dos últimos seis anos é birra ou desconhecimento.

Mas, está claro. Algumas peças chaves do time envelheceram, especialmente Xavi, e a Espanha não parece ter feito um esforço para evoluir. E o futebol é muito, muito, muito dinâmico. Esse time, assim como o Barcelona, foi estudado a exaustão.

Vejamos o exemplo de ontem. Desde o primeiro minuto, a Holanda tinha claro na cabeça o plano de buscar a bola longa e forçar a jogada em cima dos dois centrais – Piqué e Ramos, quase sempre desprotegidos. Robben, Sneijder e Van Persie se posicionaram de forma aprofundada no campo, totalmente distantes dos outros sete jogadores de linha. O plano era esse mesmo. Não machucar a Espanha trocando passes e com aproximação, mas sim com jogo direto em cima dos zagueiros.

"Assistimos a muitos jogos e sabíamos o que fazer, qual era a tática. Todos sabíamos o que fazer", falou Daley Blind. Para mim, o garoto, filho do histórico Danny Blind, foi o homem mais decisivo da partida. Explico.

No primeiro tempo, a Espanha conseguiu controlar o jogo. Vencia, não era ameaçada. Poderia ter feito 2 a 0 no gol perdido por Silva e talvez este post nem estaria sendo escrito. O que mudou tudo foram dois lançamentos brilhantes de Blind. Brilhantes, mas estudados, treinados, pensados. Um pegou Sergio Ramos de calças curtas, ficou para trás de Van Persie. o outro foi um passe perfeito para Robben, que deixou Piqué a ver navios. E aí tudo degringolou para a Espanha.

A força defensiva levou a Espanha ao sucesso em 2010. Mas Casillas e Piqué estão mal, Puyol não está mais.

A Holanda estudou a Espanha por meses. Porque esse não é um grupo normal. Além de ser um grupo com os últimos dois finalistas e com um time forte e local (o Chile), é um grupo em que é fundamental ficar em primeiro, para evitar o Brasil nas oitavas de final. Van Gaal sabia que ganhar da Espanha era essencial, era logo de cara a primeira final da Holanda nesta Copa, se quisesse fazer algo grande no torneio. E encontrou o caminho das pedras.

Não é como em 2010, quando a Espanha perdeu da Suíça por 1 a 0 na estreia, mas saiu de campo com a certeza que aquele era o caminho a seguir. O estilo estava lá, as ideias eram claras. A derrota por 5 a 1 foi um atropelo desmoralizante, o time sai confuso e cabisbaixo. E o próximo rival jogará em casa. E a defesa está para lá de exposta. Se passar do grupo, o que seria quase um milagre, o possível rival de oitavas seria o Brasil.

Parece mesmo que a Copa no Brasil vai marcar o fim desta era de ouro. Os anos mais dominantes de uma seleção, de qualquer lugar do mundo, em anos de futebol globalizado. Se a Espanha quiser, no entanto, saltar do grupo secundário (onde está com Holanda, França, Inglaterra e Uruguai) e pular para o time de cima (Brasil, Alemanha, Itália e Argentina), terá de aprender a ganhar de outro jeito.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.