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Julio Gomes

Em 2010, procurador do STJD pediu "moralidade" para manter título do Flu

Julio Gomes

13/12/2013 00h50

O discurso feroz de Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), tem chamado a atenção. "Não vejo escapatória para a Portuguesa. Seria a falência do STJD", bradou o procurador, antes mesmo de a denúncia chegar ao tribunal, antes mesmo de o clube apresentar sua defesa.

Mas, em 2010, não foi assim.

O STJD, na época, absolveu um jogador do Duque de Caxias, da Série B. Havia levado cartão amarelo por um clube, outros dois por outro, mas só cumpriu suspensão após levar os três com a camisa do Duque. Se a mesma regra fosse aplicada ao Fluminense, que havia vivido situação semelhante com o jogador Tartá, na Série A, o clube carioca poderia perder pontos por escalar o atleta de forma irregular. Com isso, perderia o título conquistado no campo em 2010.

Não importa o imbroglio jurídico. Estamos falando sobre o posicionamento do procurador-geral.

Vejam o que falou Paulo Schmitt naquela ocasião, ao Sportv: "Não acredito que haja condição moral, disciplinar, até (de tirar os pontos do Fluminense). Pode ter (condição) técnica. Técnica, jurídica, com base em uma jurisprudência. Mas moralidade… rediscutir o título que foi conquistado no campo de jogo, da forma como foi, agora (ao final do campeonato), abrindo um precedente… Essa decisão poderia ser em algum momento revista, mas isso seria um caos."

O vídeo está abaixo.

Muito bem. Em 2010, portanto, levar a lei a ferro e fogo, de acordo com a jurisprudência criada pelo próprio STJD, acabaria tirando pontos e o título do Fluminense. Na época, Paulo Schmitt considerava uma falta de "moralidade" a "rediscussão do título conquistado no campo".

Em 2013, o procurador-geral não parece nem um pouco preocupado com o que aconteceu no campo. No campo, a Portuguesa se salvou do rebaixamento. E a escalação irregular de Heverton, em um jogo em que mesmo perdendo a Portuguesa estaria salva, não fez a menor diferença para isso. Em campo, o Fluminense caiu. Mas, para Schmitt, três anos foram suficientes para adotar postura inversa.

Vamos o que disse Schmitt anteontem e ontem sobre o caso que pode rebaixar a Portuguesa e resgatar o Fluminense para a primeira divisão. : "Se clubes não puderem perder pontos quando culpados, passa a ideia de que se faz julgamento político, e não técnico. Se houver interesses clubísticos em julgamentos e as normas não forem aplicadas de acordo com o Direito, é a falência das nossas instituições."

"Essas expressões passam a ideia de canetada na calada da noite. Estamos falando em julgamento, processo. A lei é para todos, e não só para Flamengo (que também pode perder pontos, mas sem consequência para rebaixamento) ou Portuguesa. Se a legislação não for aplicada, é um desrespeito com dezenas de clubes e jogadores que cumprem suas obrigações nos campeonatos."

"Atletas são punidos desde os primeiros jogos, isso é critério técnico. Se os atletas não cumprem a punição, isso acaba impactando a isonomia, o tratamento igualitário para aqueles que estão na mesma condição jurídica. Tecnicamente, há uma irregularidade, não tenho dúvida nenhuma. Se você tem uma circunstância evidente sobre a perda de pontos e você vira as costas para isso, aí está assinada a falência de qualquer entidade que cuida dos devidos processos. Estamos todos trabalhando para que o futebol tenha moralidade."

Três anos atrás, o critério técnico deveria ser ignorado em nome da moralidade. A moralidade, para Paulo Schmitt, era que o resultado do campo NÃO fosse alterado.

Hoje, o critério técnico não pode ser ignorado. A moralidade, agora, é outra coisa. É o próprio critério técnico. Ou seja, a moralidade de Schmitt, agora, é, SIM, alterar o resultado do campo.

E aí, Paulo Schmitt? Quando valem critérios técnicos, afinal? E qual a moralidade que você prefere? Depende do clube envolvido? Perguntar não ofende.

Atualização:

Após a divulgação do vídeo, Schmitt se defendeu em sua página no Facebook. "Trata-se de uma fala descontextualizada, mais se assemelhando a algo montado ridículo". Está claro que não há montagem alguma. E não há nada fora de contexto. Ninguém está julgando a condição correta ou incorreta de Tartá em 2010 mas, sim, a postura completamente diferente do procurador para um caso parecido com o de hoje.

Em 2010, o STJD nem mesmo apresentou denúncia, para "preservar o resultado de campo". Em 2013, mostra-se desesperado em busca de uma condenação que apaga o que foi feito em campo. A justificativa, na íntegra, está neste link. Dou meus parabéns para quem conseguir entender.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.