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Julio Gomes

E aí? Você está do lado do Bom Senso ou das Euricadas?

Julio Gomes

02/12/2013 18h11

O torcedor de futebol do Brasil é muito engraçado. Nos anos 90, o Vasco da Gama tornou-se o time mais detestado do país (exceto pelos vascaínos, logicamente) por causa de seu mandatário. Eurico Miranda simbolizava, simboliza, tudo o que há de errado no país. Truculência, o atropelamento de regulamentos, o objetivo claro de sempre buscar benefício próprio, sem nenhuma preocupação com a ética ou o senso coletivo.

Ninguém suportava Eurico Miranda. "Esses cartolas acabam com o futebol", "são todos ladrões", "são ultrapassados, arcaicos, comandam os clubes de forma irresponsável", é o que diziam jornalistas e torcedores em geral.

Eurico dá uma sumida do mapa. Mas não se enganem! 10 entre 10 dirigentes das antigas pensam e atuam como Eurico, a diferença é que eles não são bocudos e nem se expõem tanto quanto Eurico. Mas é farinha do mesmíssimo saco. Esses dirigentes vão, pouco a pouco, perdendo espaço, dando lugar a algumas pessoas mais preparadas e mais voltadas para a gestão, um em um clube aqui, outro ali.

Um pequeno avanço, o dos últimos anos. Pouco significativo, na minha visão. Essencialmente, o futebol brasileiro segue nas mãos e sendo operado pela mesma gente.

E aí aparece o Bom Senso.

E aí um monte de gente fica do lado do Eurico contra o Bom Senso. Contra o bom senso.

Somos a sociedade do "se está bom para mim, que se dane o resto". Aí aparecem caras para quem está bom financeiramente. Que ganham bem, que têm a carreira construída e em vias de ser finalizada. Mas que viajaram o mundo e viram que beira o inacreditável a maneira como o futebol brasileiro é conduzido. Surgem pessoas preocupadas com o resto, com o todo. Está bom para eles, mas eles querem saber do resto. É tão bonito que espanta, não é verdade? Gera desconfiança.

E o que fazemos? Criticamos????

"Fulaninho está preocupado só com o bolso". "O que esses caras querem é descansar, e eu aqui trabalhando todos os dias". "Do alto preço do ingresso o Bom Senso não fala". "Na hora da mala branca, eles se calam."

Senhoras e senhores, amigos e amigas… POR FAVOR! Parem e pensem. Alguns de vocês, torcedores, estão fazendo exatamente o jogo que os Euricos e Marins da vida querem! E não se enganem, esses dirigentes têm muitas, muitas vozes falando por eles e emitindo opiniões que parecem isentas, mas estão longe disso, em veículos de imprensa espalhados pelo país.

Essa é uma guerra aberta entre dirigentes da velha guarda, que querem manter essa porcaria toda como está, e jovens jogadores de futebol, quase ex-jogadores, mas ainda bastante jovens, que estão se mobilizando para melhorar as coisas. Qualquer pessoa que entenda o mínimo de futebol sabe a porcaria em que o esporte se transformou aqui. Culpa essencialmente dos clubes e seus gestores ao longo de décadas. E nada será mudado de um dia para o outro, mas uma hora precisa começar.

O futebol brasileiro pode ser o maior do mundo. Não a seleção, que não tem nada a ver com nosso futebol. Estou falando do jogo, da modalidade que é praticada em nosso país. Mas, para isso, precisa de uma revolução para ontem. Talvez essa revolução esteja começando com o Bom Senso e me preocupa ver tanta gente entrando na onda de dirigentes e desse papo patético de "os caras ganham muito e ainda reclamam".

Nenhum governo nem plano de ação nem grupo é 100% perfeito. Com certeza os líderes do Bom Senso têm fraquezas, como qualquer ser humano. Certamente será difícil manter essa quase unanimidade entre eles, em um universo de 1000 atletas. O que querem os conservadores? Os pilantras que corroem nosso futebol por dentro há séculos? Querem é implodir tudo isso. Dividir, causar cizânia, sumir com esses malas, com essas pedras em seus sapatos de couro. Estão esperando as férias para tudo isso morra.

A tática de Eurico Miranda, no bate boca com Paulo André, foi tão clara quanto antiga. Na falta de argumentos, ataca-se o interlocutor. Paulo André falava das péssimas condições que encontrou no Vasco quando era garoto. E Eurico contra ataca dizendo que Romário e Edmundo, craques, saíram de lá. "Não formamos qualquer Paulo André", bradou.

Oras. O que importa se Romário era mais jogador que Paulo André??? O que importa se Paulo André é craque ou perna de pau??? O que isso tem a ver com a história???

"Ele está acostumado com a Europa, lá não tem rato". Então… é… nos vestiários não têm mesmo. Não entendi. Devemos nos orgulhar por termos ratos em nossos vestiários e clubes de futebol??

Os dirigentes de futebol sabem perfeitamente que os torcedores não gostam dos altos salários recebidos por alguns jogadores. Então o tempo todo vemos o assunto "ganhar muito" vindo à tona, pelas bocas malditas e, muitas vezes, associadas. Não se deixe enganar, torcedor de futebol!

O que o Bom Senso quer é uma gestão honesta e transparente dos clubes, uma relação profissional entre clubes e atletas. Talvez eles passem a ganhar mais, talvez eles passem a ganhar menos. É o mercado que vai dizer isso, como acontece em TODAS as profissões do mundo capitalista. Oras, escolhemos ser capitalistas mas queremos controlar quanto ganha um jogador de futebol???

Perguntem-se, amigos. Será inveja? Será que não é apenas o sentimento de inveja que empurra as pessoas para o lado oposto ao dos atletas de futebol? Não estamos preocupados com quem ganha MUITO dinheiro e nem sequer chuta uma bola ou está sujeito a xingamentos e hostilidades em seus dias de trabalho? Por que jogadores não podem ganhar muito dinheiro mas tantas outras pessoas envolvidas com o futebol podem?

Jogadores e torcedores fazem a única aliança que não tem como perder essa guerra. E isso é uma guerra. Uma guerra para limpar o futebol brasileiro das velhas práticas, trazê-lo para a modernidade e para a transparência. É um movimento que não abraça tudo o que está errado no futebol brasileiro, nem daria conta se tentasse. Mas que ataca pontos fundamentais, vitais, importantíssimos. É um movimento que precisa do apoio firme do torcedor, senão será atropelado pelas forças arcaicas muito mais acostumadas com o jogo sujo de bastidor.

O Bom Senso precisa ser integralmente apoiado por nossa sociedade em nome de um futebol melhor, mais digno, honesto e profissional. As ressalvas, eu também tenho as minhas, deixamos para depois, para mais à frente.

Nessa vida, temos que sair do muro, onde muitos se acomodam, e ter posições. Entre o Bom Senso e os dirigentes de futebol que eu cresci vendo, entre os Euricos da vida, não tenho dúvidas. E convido todos os meus leitores a descerem do muro ou pularem para o lado certo.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.