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Julio Gomes

Tapetão? Que tal clubes seguirem o exemplo da Grécia?

Julio Gomes

25/11/2013 20h08

A sombra do tapetão voltou hoje ao futebol brasileiro. Antes de falar dela, falemos sobre a Grécia. A Grécia?? Esse país aí que está quebrado, com o pires nas mãos, com revoltas sociais nas ruas dia sim, dia não? Sim, esse mesmo. A Grécia.

A notícia veio na semana que passou. O técnico português Fernando Santos e o diretor da Federação Grega, Takis Fyssas, perceberam que havia um erro na lista de jogadores divulgada pela Romênia para o confronto entre os dois países, pela repescagem que definiria um classificado para a Copa do Mundo de 2014. As listas podem ter, no máximo, 20 jogadores de linha e 3 goleiros. A Romênia fez uma lista com um jogador de linha a mais, um goleiro a menos.

Não pode. Se tivesse disputado a partida, fosse qual fosse o resultado, a Grécia poderia entrar com um recurso nos tribunais esportivos da Uefa depois. E ganharia o jogo por 3 a 0, praticamente assegurando a vaga na Copa.

Mas o que fez a Grécia? Entrou em campo e ficou com essa informação "na manga", em caso de desastre esportivo? Não, não. A Grécia procurou a Federação Romena e alertou sobre o erro ANTES das partidas. "Era muito importante fazer a coisa certa", disse o diretor Fyssas em entrevista a uma rádio grega, já depois de consumada a classificação para o Mundial (3 a 1 e 1 a 1, foram os resultados no campo). Os romenos não confirmaram que tal ato de fair play foi mesmo consumado – também porque ficaria bem chato para eles. Mas ninguém inventa uma história dessas, não é mesmo?

O fato é que a Grécia poderia ter esperado e utilizado uma brecha do regulamento para conseguir sua vaga. Poderia ter se aproveitado do erro do outro. Mas não o fez.

Isso, amigos, tem nome. Dois nomes. Alguns chamam de ética. Outros chamam de espírito esportivo. Os dois cabem bem. E os dois estão em falta em nossa sociedade, especialmente mundo do futebol.

A notícia saiu nesta segunda de manhã, no ESPN.com.br. Coritiba, Vasco e Fluminense estariam articulados porque encontraram irregularidades que tirariam pontos de (e, dado o momento do campeonato, rebaixariam) Criciúma, Portuguesa e Ponte Preta. Conforme o dia foi passando e a repercussão, se intensificando, dirigentes e advogados de Vasco e Fluminense se apressaram em negar a participação na tentativa de virada de mesa. Um suspiro, um gesto de dignidade, pelo menos diante dos holofotes, destes clubes tão importantes.

À tarde, novamente para a ESPN, o presidente do Coritiba, Vilson Ribeiro de Andrade disse em entrevista que o vazamento da notícia iria atrapalhar a articulação do clube. Que somente a Portuguesa era o alvo (não Criciúma e Ponte). E mandou também uma de que o Coritiba "deixou de fazer contratações" ao longo do campeonato por causa da tal regra em questão. Fica claro também, pelas palavras do presidente, que já faz bastante tempo que o Coritiba está de olho nessa possibilidade.

A CBF prontamente se manifestou, dizendo que não há irregularidade alguma e que era "absurda" a tentativa de virar a mesa.

O regulamento em questão está no finalzinho desta reportagem do UOL Esporte. Resumindo: um time não pode ter mais de um certo número de jogadores que tenham atuado por outro time no mesmo campeonato. É um parágrafo único que claramente se refere a um artigo (o nono). Mas os espertalhões jurídicos querem tirar do contexto o parágrafo, dissociá-lo do artigo, e argumentar que esse número limite serve para o total de jogadores que um clube tenha por empréstimo, independente de os atletas já terem ou não atuado com outra camisa no campeonato.

A verdade é que não há discussão. O texto é claro. O que há é a velha mania de alguns de se aproveitarem ou tentarem se aproveitar de uma brecha, criarem um fato, ganharem apoio político de instituições mais fortes e, sim, virarem a mesa.

Mas vamos imaginar que algum clube tenha mesmo desrespeitado o regulamento, o que se deu lá no começo do campeonato. Será que a atitude mais correta é mesmo guardar essa informação para usá-la mais para frente, em caso de necessidade? Será que o Coritiba estava preocupado com isso quando ele era líder do campeonato, em vez de ser um ocupante do Z-4? Por que o Coritiba, se ele foi o primeiro a observar tal regra, não se reuniu com a CBF e os outros clubes para que a regulamentação ficasse esclarecida para todos?

Será que a coisa certa a fazer não seria copiar o exemplo que vem da Grécia?

Será que o espírito esportivo morreu de vez entre os clubes e dirigentes deste país?

Não sei se o Coritiba irá para frente com essa história. Tem mais cara de balão de ensaio, para ver qual seria a reação geral, para ver se haveria apoios e clima para engatar uma segunda marcha. O que se viu, nas próprias redes sociais, foi uma reprovação forte do próprio torcedor do Coritiba, que quer ver seu time se salvar no campo, não nos tribunais. O que se viu foi a CBF bancar o que ela mesmo permitiu. E o que se viu foi os dois grandes cariocas, tão temidos nos bastidores, tirarem o corpo fora.

Isso tudo dá a sensação de que a mesa vai continuar de pé, em seu lugar.

Mas não tira a vontade de vomitar que o futebol dos nossos cartolas me dá, dia sim, dia também.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.