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Julio Gomes

Vasco salva match point. E Cruzeiro dá uma bola muito fora

Julio Gomes

23/11/2013 22h45

O Vasco estaria rebaixado se não tivesse vencido o Cruzeiro neste sábado, no Maracanã. A conta é simples: para o Vasco se salvar, tinha (tem) que ganhar todos os jogos e chegar aos 47 pontos. Outros times podem se salvar com 45, mas o Vasco, devido ao número de vitórias e saldo de gols, dificilmente conseguirá. Para o Vasco, se salvar com 45 só por um milagre, uma combinação que dificilmente acontecerá.

Sem vencer o Cruzeiro, o máximo que o Vasco chegaria seria aos 45. Então, era match point. Agora, faltam três passos. O primeiro, fundamental, que o Atlético Paranaense seja campeão da Copa do Brasil (torcida dupla, pois, contra o Flamengo). Assim, chegaria despreocupado à última rodada. O segundo passo para o Vasco, óbvio, é passar pelo Náutico no Maracanã. Por fim, faltará ganhar do Atlético em Curitiba.

Há quem diga que o sistema de pontos corridos seja o mais justo de todos. Não vou ficar debatendo aqui, deixo isso (com prazer) para outro post. Mas dois fatores tornam os pontos corridos tão injustos quanto qualquer outro formato: 1) a distribuição extremamente desproporcional do dinheiro da TV, a maior fonte de renda dos clubes; e 2) a cabeça do brasileiro, consequentemente do jogador e do clube.

Nós pensamos somente em nossa parte. Se para mim está bem, dane-se o resto. Pensarei sempre somente no meu, nunca no coletivo. Assim, os times campeões da Libertadores tradicionalmente viram peso morto no Brasileiro. E times que começam com outras prioridades ou chegam ao final com a vida resolvida simplesmente deixam o torneio de lado. Assim, tem gente que pega o Cruzeiro a todo vapor. E tem gente que pega outro Cruzeiro. Justo? Não no meio conceito. Inevitável? Sim. Nos pontos corridos e com nossa forma de pensar vigente.

Houve até a ideia de botar clássicos nas últimas rodadas para evitar o tal desinteresse e o entrega-entrega para prejudicar rivais. Mas aí veio aquele Cruzeiro 6 x 1 Atlético-MG de 2011. Ou seja, nem os clássicos passam impunes. O que quer e sente o torcedor é, na verdade, o que menos importa para muita gente que manda no futebol.

O Vasco deu essa sorte, de pegar um Cruzeiro despreocupado e desinteressado na reta final. Deu sorte e aproveitou.

Eu senti Marcelo Oliveira bastante P da vida na entrevista que deu ao Sportv na volta ao segundo tempo. Percebe-se que o técnico cruzeirense tentou fazer sua parte, mas os jogadores não corresponderam.

Eu não culpo o Cruzeiro por poupar jogadores. Há atletas exaustos, correndo risco de lesão e essas, sim, são boas razões para tirar jogadores de partidas da reta final. Mas e o caso de Dedé? O cara pede para não jogar contra o Vasco e o clube simplesmente aceita??

Bom, melhor já avaliar então que jogadores do Cruzeiro atuaram ou foram revelados pelo Bahia, porque na rodada que vem tem Cruzeiro x Bahia…

Onde está a responsabilidade para com o campeonato e para com os clubes que estão disputando a vida contra o Vasco? Se Dedé foi liberado do jogo porque não queria "machucar" o Vasco, que mensagem foi passada aos outros jogadores, que entraram em campo? Não foi exatamente a de motivação máxima, não é verdade? Se o Dedé pode nem jogar, por que eu vou botar a perna em uma dividida?

Neste espaço para comentários do blog, a frase mais escrita certamente será. "O Cruzeiro fez a parte dele e foi campeão, os outros que se virem para não serem rebaixados. Problema dos outros".

É este, é exatamente este pensamento que PRECISA ser combatido para sermos um país melhor. Só seremos uma sociedade mais justa e correta quando pessoas e instituições colocarem o todo na frente de si. O coletivo. É uma questão de retidão, de responsabilidade.

Qual a diferença da frase acima para estas aqui abaixo? Vejam só:

"Deu um quebra pau na última reunião de condomínio por causa das vagas na garagem. Mas as minhas são ótimas, então que se dane o resto."

"As ruas do bairro estão um caos. Mas a prefeitura recapeou a minha semana passada, então está ótimo."

"Meus colegas de serviço estão organizando uma reclamação geral por maus tratos e péssimas condições de trabalho, mas meu salário é ótimo, para mim está tudo bem, então não vou me envolver para não me dar problema no futuro."

"Os guardadores de carro do restaurante em que fui ontem estavam parando todos em local proibido. Eu reclamei e deixaram o meu na porte, então fiquei mais tranquilo. Os outros? Bom, cada um que vá lá reclamar."

É tudo, tudo, tudo a mesma coisa, caros leitores. Não é porque o Cruzeiro fez a parte dele que ele tem direito de mandar um "dane-se" para os outros times do campeonato. Se uma coisa está errada, somos responsáveis para que a certa seja feita. Para todos, não só para nós mesmos. Não, Dedé não poderia ter sido liberado para o jogo contra o Vasco. Foi uma péssima mensagem, horrorosa. Para os próprios jogadores do Cruzeiro e para toda a sociedade.

O Vasco ganhou só por causa disso? Não sei. Nunca saberemos. Talvez sim, talvez não. Não importa. Está errado. E precisamos parar de achar essas coisas normais no futebol e no nosso dia a dia.

Nota: Surgiu também a história do "faz outro logo, porra", que Júlio Baptista disse a Cris. Eu acho que esses diálogos devem acontecer um milhão de vezes em jogos como este. "Amolece aí, pô". "Ah, camarada, vai lá e marca outro, então". Isso não caracteriza uma entrega ou armação. Mas, claro, dá mais pano para manga. De todas as formas, que cobrança pode ser feita a Baptista? Se a própria diretoria do clube já havia liberado o Dedé só porque pediu…

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.