Topo

Julio Gomes

Corinthians demorou para dispensar Tite

Julio Gomes

14/11/2013 16h47

Calma, calma, calma. O título é provocativo. Quem resolver cornetar sem ler até o fim, será solenemente ignorado.

Eu regro minha vida por coerência, estabilidade, continuidade. As mega empresas, de qualquer setor, fazem o mesmo. No futebol brasileiro, não.

Me parece que a maneira como todos os clubes trabalham, dirigentes bons ou ruins, é a mesma. Segue a lógica do torcedor. Ganhou, está tudo bem. Perdeu, está tudo mal. Ganhou, é mantido. Perdeu, que caia fora. Isso serve para atletas e treinadores, mas logicamente é mais fraca a corda dos últimos.

Sendo assim, se isso é inevitável, e parece que é, seria muito mais inteligente trabalhar com a lógica do mercado de ações, da especulação, em via de regra, do que das multinacionais com consistência e projetos de longo prazo. Em outras palavras: esqueçam a continuidade, a insistência, coaching, gestão. O negócio é partir logo para o "compra na baixa, vende na alta". Isso até é feito com os jogadores em certa medida. Mas, com treinadores, nunca.

O futebol brasileiro funciona assim: fulano ganha um campeonato. Como consequência, ganha a renovação de contrato. No ano seguinte, perdeu um campeonato (ou mais). E é mandado embora. Trazem sicrano (obrigado, Godard). Com ele, o time pode continuar perdendo. Mas, talvez, passe a ganhar.

Então não seria mais fácil, pois, mandar fulano embora no dia seguinte que ele conquistar o objetivo máximo traçado? Ganha-se tempo… que tragam logo o beltrano, ora pois.

O Corinthians fez o certo ao apostar em Tite na baixa, logo após a eliminação contra o Tolima. Fez o certo ao mantê-lo após o título brasileiro. Afinal, aquele não era o objetivo máximo. A ação se valorizou, mas ainda não estava no pico. A missão era ganhar a Libertadores e, depois, o Mundial. Ganhou? Tchau. Está no ápice, no máximo, dali não passa. Então tchau.

Se o Corinthians tivesse dispensado Tite ao final do ano passado, haveria uma verdadeira comoção. Esse é o detalhe que nunca fará a tese acima ser colocada em prática. Os dirigentes têm medo. São poucos os que atuam por convicção ou conhecimento, a maioria está de orelhas atentas à imprensa e à torcida. São adeptos da famosa expressão "jogar para a torcida".

Quem garante que, com outro nome, o Corinthians não teria conquistado o Brasileiro ou disputado pau a pau com o Cruzeiro? Ou pelo menos feito campanhas melhores, tanto no nacional quanto na Libertadores?

O mesmo serve para jogadores, heim, pessoal. Ganhou? Chegou ao máximo? Tchau. Vende na alta. Renovar contratos por valores superiores é que nem ir comprar ações da Petrobras no final do dia em que elas subiram 10%. É burrice. É comprar na alta.

Percebam que estou falando em função da lógica do dirigente de futebol no Brasil. Eu não concordo com uma linha do que eles fazem e como atuam. Apenas estou indicando que, dentro da bizarrice, eles fazem o que é ainda mais bizarro. Já sabem que o técnico será dispensado assim que vier uma maré, grande ou pequena, de maus resultados. E esperam tais maus resultados acontecerem para, então, agirem como já sabiam que agiriam. Trazendo para o poker (quem joga, entenderá). Você tem uma mão que sabe que é perdedora. Mas insiste em pagar todas as apostas porque na mão passada, com as mesmas cartas, havia ganhado.

O Corinthians sabia o tempo todo que Tite não resistiria. Então… para que manter??

Imaginem que o Galo seja campeão do mundo. Por que manter Cuca?? Para esperar o time perder de alguém na Libertadores que vem e, aí sim, dispensá-lo?? Que mandem embora em dezembro, então. Invista na baixa de alguém (Tite??) e tente evitar a derrota que, certamente, virá com o que ganhou.

Alguém virá aqui buscar um exemplo contrário, do técnico bi ou tricampeão. Por favor. Sem exceções que confirmem a regra. Grato.

A lógica de dispensar quem acabou de ganhar é perversa e nunca será aplicada aqui no Brasil. Só me ocorre o exemplo deste ano do Bayern de Munique, ainda que o tenham feito antes de saber que o clube ganharia tudo com Jupp Heynckes (com Guardiola, pode ganhar tudo novamente. Com Heynckes, será que teria a mesma chance?).

Mas a lógica de dispensar quem acabou de ganhar só daqui 2, 5 ou 10 meses também é perversa. É mais perversa. Porque prolonga um casamento com certeza de fracasso.

No meu mundo ideal da gestão do futebol, haveria regras que inibissem a lógica perversa atual. Leis que fizessem diminuir a facilidade com que se manda um técnico embora. Se isso fosse feito, aí minha teoria do "dispensa quem acabou de ganhar" ficaria, ainda bem, enfraquecida. Mas, acima das leis, meu mundo ideal da gestão de futebol seria regrada por conceitos, não por resultados.

Não importa se o cara está ganhando ou perdendo. Há que se dar um prazo definido e estabelecer objetivos a serem cumpridos. Método. Método, método e método. Um clube deve contratar treinadores de acordo com sua filosofia, as diretrizes que deveriam nortear a própria existência. E não porque está ganhando ou perdendo.

Nesse aspecto, futebol na Alemanha e Inglaterra e esportes nas grandes ligas americanas dão um banho, uma goleada em todo o resto.

No Brasil, se for para continuar do jeito que está, sugiro que se radicalize logo. Foi campeão? Festeje logo e passe amanhã no RH. Assim, todos ganhamos tempo.

PS – Quem não entender a carga de ironia neste post… sinto muito

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.