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Julio Gomes

Temporada do Atlético-PR é a vitória do bom senso

Julio Gomes

07/11/2013 06h00

São poucas as coisas da vida que podem ser explicadas por uma coisa só. No futebol então, nem se fale.

Dizer que o Atlético Paranaense está na final da Copa do Brasil e na vice-liderança do Campeonato Brasileiro somente porque não jogou o Estadual pode ser exagerado. Pode ser simplista estabelecer como causa única da atual consequência. Ignorar este fato, no entanto, seria um erro tremendo.

Não é só um fator que explica o Atlético. É claro que o time tem bons jogadores, é lógico que o trabalho da comissão técnica é bom. Outro fator? O campo ruim na Vila Capanema. Campos fora do padrão ajudam demais os jogadores que estão acostumados com ele. O fato de jogar na mesma cidade minimizou a perda da Arena (os mineiros, nos últimos anos, o Inter, esse ano, não tiveram a mesma sorte. Viagens atrapalham demais).

São várias as razões, enfim. Mas certamente o fator físico é o maior de todos. Não é o único. Mas é o maior, é a notícia do ano. É o estudo que tem que ser feito. Falar que "não dá para provar que isso tenha feito a diferença", me desculpem, é tapar o Sol com a peneira.

Um dos maiores pepinos do calendário brasileiro é a distribuição de jogos. Na Europa, joga-se muito também de quarta e domingo, mas esses momentos mais pesados ficam concentrados na primeira metade da temporada. Depois, os jogos de meio de semana vão rareando. E já há margem para os clubes vivos nas competições de mata-mata pouparem jogadores nas competições de pontos corridos.

No Brasil, é o contrário. É do meio da temporada para frente que o quarta-domingo-quarta-domingo se intensifica. É por isso que a queda de qualidade é tão brusca no Brasileiro em um momento como o atual.

O Atlético-PR começou a temporada junto com o Brasileiro. Enquanto os outros viviam o meio da temporada, praticamente, um momento muito próximo do pico físico. Não é coincidência o início do campeonato do Furacão ter sido ruim, ritmo de jogo é algo que se adquire com o tempo. Talvez esse seja um aperfeiçoamento para o futuro. Não abandonar completamente o Estadual mas, sim, usá-lo em alguns momentos para o time ganhar ritmo. Usá-lo como se fossem amistosos de pré-temporada, com ritmo de competição.

Em maio, em julho… o Botafogo estava voando, amigos. Meio de temporada. O que aconteceu em setembro e outubro? Morreu. Despencou. Começou a perder jogadores machucados, como praticamente todos os outros times. Estava disputando o título e agora já está difícil até se segurar para ir à Libertadores.

E o Atlético-PR? Bem, o Atlético está agora como os outros estavam no primeiro quarto do campeonato. Voando. Ninguém se machuca, o time corre e aguenta a maratona. O mundo joga com a língua de fora, o Atlético joga como se fosse meio de temporada. É porque é.

O time tem um nível igual ao de todos os outros (médio) e, em partidas tão equilibradas, um pique a mais, um contra ataque puxado com velocidade um pouco maior, uma recomposição defensiva urgente… são coisinhas que te fazem perder um jogo ou ganhar um jogo. É a simples diferença entre ganhar ou perder.

Mário Celso Petraglia pode ter muitos defeitos. Mas ouvi o suficiente dele, em entrevistas recentes e na última terça, no ótimo Seminário Business FC (organizado por Trevisan e Pluri), para saber que o Atlético Paranaense é um clube no rumo certo e do lado correto das brigas em que se envolve. Petraglia se disse uma pessoa "do contra", "do contra em tudo". A empatia sobra nesse caso, pois essa é uma característica deste que vos escreve. Dois "do contra" devem ter muito em comum, pois.

Não estou aqui isentando o presidente de qualquer erro ou deslize. Mas a transformação pela qual o clube passou é inegável. Seu estádio já é arena desde que nasceu. E agora que aparecem as arenas, todas nas mãos de construtoras, o Atlético segue dono de seu estádio. De Copa. 100%. Ganhou Brasileiro, fez final de Libertadores. Mudou sua história nos últimos 20 anos.

Petraglia pede uma reformulação completa do futebol brasileiro, de cabo a rabo. Está correto e precisa ser ouvido. Logo antes dele, neste mesmo seminário, Paulo André, ex-jogador do Atlético-PR, falou sobre o Bom Senso FC. A melhor coisa que surgiu nesse país, um movimento capitaneado por gente decente, que quer melhorar esse esporte que vai mal, muito mal por aqui. De maneiras diferentes, com objetos e adjetivos variados, Paulo André e Petraglia andam falando a mesma coisa.

O que o Atlético fez neste ano, seja pelas motivações que forem, isso não vem ao caso, teve natureza muito parecida com o que diz o Bom Senso. Foi uma greve, afinal. Foi uma batida de pé contra o calendário. Foi uma priorização da teoria, da busca pela qualidade. Foi estratégico. O que o Atlético fez foi agir com bom senso. Colhe os frutos antes do que imaginava. Como também não imaginava ter tantos clubes "companheiros" na estratégia um ano depois. Aposto que terá. Tomara que tenha.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.