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Julio Gomes

Barcelona muda estilo, fica confuso, perde a posse. E os resultados?

Julio Gomes

21/09/2013 17h04

O Barcelona mudou.

Demorou um pouco, não seria de um dia para o outro que Tata Martino iria impor uma maneira diferente de jogar. E a coisa ainda não está consolidada. Mas já dá para ver bem que o Barcelona mudou e história foi feita neste 21 de setembro de 2013.

Neste sábado, contra o Rayo Vallecano, o Barça ficou sem a posse de bola por mais tempo do que o rival pela primeira vez em mais de cinco anos. A última vez que isso havia acontecido, em jogos oficiais: 7 de maio de 2008, goleada por 4 a 1 para o já campeão daquela temporada, o Real Madrid, um dos últimos jogos de Frank Rijkaard no comando. Naquele verão europeu, chegou Pep Guardiola ao clube.

Por cinco anos, 316 jogos consecutivos, o Barcelona teve mais posse de bola do que o rival. O tabu havia caído em julho, em um amistoso contra o Bayern de Munique (de Guardiola). Mas não era jogo oficial, então a sequência ainda podia ser considerada ativa. Caiu hoje. E isso é muito mais notícia do que a vitória por 4 a 0 sobre o Rayo.

Com Tata Martino, o Barcelona abre mão da posse de bola em muitos momentos do jogo para tentar lançamentos e passes longos. Em vários momentos, neste sábado, em Vallecas, Valdés cobrou o tiro de meta com um chute longo. Coisa corriqueira no nosso futebol, por exemplo, mas absolutamente inexistente em jogos do Barcelona. Até agora.

Não é à toa que o melhor jogador do Barça neste início de temporada tem sido Cesc Fábregas, um jogador que foi criado nas bases do Barça, mas cresce no futebol profissional na Inglaterra. Tornou-se um jogador muito direto, muito vertical. Ficou meio perdido, foi meio que deixado de lado em muitos momentos nos últimos anos, ao voltar ao time do coração. Agora, no entanto, está em casa. Fábregas se adapta muito melhor a este estilo mais rápido.

Em muitos momentos do jogo, o que se viu foi um Barcelona confuso em campo, sem saber direito o que fazer, como jogar em campo, sem conectar bola alguma com Messi, que corria sem destino, de um lado para o outro. É absolutamente natural. Por cinco anos, esses mesmos caras jogaram de um jeito. Agora, estão jogando de outro. Que é mais normal, mais parecido com todos os outros times do planeta, variando a posse de bola com jogo direto. O grande segredo para o Barcelona será misturar as coisas, ou seja, manter o estilo e acrescentar opções a seu jogo. O grande perigo é não fazer bem nem uma coisa nem outra. É a armadilha.

Há tempo, muito tempo para avaliar se terá sentido ou não a mudança conceitual que Tata Martino está trazendo ao clube.

É arriscado domesticamente, mas é uma mudança extremamente necessária no cenário europeu. Como o absurdo abismo na distribuição de cotas de TV transformou a liga espanhola em uma coisa de dois clubes, o Barcelona arrisca perder uma coroa fácil. Porque jogando do jeito "de sempre", ele sabe que ganha de todo mundo na Espanha e conquista a taça. O problema é que, jogando "do jeito de sempre", o Barça tomou uma sacolada do Bayern de Munique na Champions League e viu a Espanha tomar uma sacolada da seleção brasileira na Copa das Confederacões.

Com o futebol mais direto, o Barcelona arrisca. Porque deixa de ter a absurda posse de bola (de 70, 75, 80%) como seu melhor recurso defensivo. Neste sábado, o Rayo Vallecano teve chances de abrir o placar e de empatar. Valdés defendeu pênalti, fez ótimas intervenções e garantiu que tudo desse certo. É muito melhor usar o início de temporada como laboratório, porque a superioridade técnica vai sempre resolver partidas. No fim das contas, mesmo com toda confusão em campo, foi uma vitória de 4 a 0 fora de casa.

Neymar, por sinal, vai se beneficiar com o tempo deste novo estilo de jogo, pois haverá mais campo aberto e menos defesas compactas e fechadinhas lá atrás para combater o Barcelona. Em Vallecas, eu deu o passe para o terceiro gol de Pedro e teve três finalizações limpas de gols, uma delas foi na trave.

No cenário europeu, mudar o estilo pode ser a chave para o Barcelona chegar forte lá na frente, em fevereiro, quando importa de verdade: o início do mata-mata. O jeito de jogar do Barcelona estava manjado e já há antídoto. Quando é assim, tem que mudar.

Há várias maneiras de ganhar ou perder um jogo de futebol. O Barça goleou, isso não é notícia. Mas o fato de ter tido menos posse que o Rayo é emblemático. É a cara matemática de um estilo que foi alterado.

Lá na frente, só lá na frente, veremos se a mudança de estilo terá efeitos positivos ou negativos.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.