20 anos do maior vexame argentino e o início da maldição
Você aí, que nasceu lá pelo meio dos anos 80, não tem ideia do que é ver a seleção principal argentina levantar um caneco. É verdade, é verdade, os hermanos ganharam duas Olimpíadas, título que o Brasil nunca conseguiu. Mas não é a mesma coisa. Não é a principal.
A maldição, como eles chamam, começou exatos 20 anos atrás, em 1993. Foi em um 5 de setembro que a Colômbia atropelou a Argentina por 5 a 0, em pleno Monumental de Nuñez, no maior vexame da história da albiceleste.
Quem gosta de futebol, lembra daquele jogo. Eram as eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos, eliminatórias que deixaram Brasil e Argentina contra a parede. O Brasil chegou ao último jogo, contra o Uruguai, precisando do empate para não ficar fora de uma Copa pela primeira vez. Parreira precisou chamar Romário, que vinha sendo deixado de fora. Romário meteu os dois gols, virou titular de vez e foi o jogador mais decisivo do tetra, no ano seguinte.
A Argentina, por outro lado, vinha de momentos muitos diferentes. Campeã mundial em 1986, vice-campeã em 1990, finalista em três dos últimos quatro Mundiais, vencedora da Copa América em 91 e 93, campeã da primeira Copa das Confederações, em 92. Dá para dizer com certa tranquilidade que a Argentina dos 15 anos anteriores havia sido uma seleção mais relevante que o Brasil do mesmo período.
Naquele jogo do vexame, o time de Alfio Basile tinha Goycochea; Saldaña, Borelli, Ruggeri e Altamirano; Zapata, Redondo e Simeone; Leo Rodríguez; Medina Bello e Batistuta.
E a Colômbia? A Colômbia… nada. Até 93.
Francisco Maturana mandou a campo Córdoba; Herrera, Perea, Mendoza e Pérez; Rincón, Gómez, Álvarez e Valderrama; Asprilla e Valencia. Rincón, duas vezes, Asprilla, outras duas e "el tren" Valencia meteram os gols.
Colômbia x Argentina, os 5 a 0 de 93
O maior jornal da Colômbia, "El Tiempo", fez um baita especial dos 20 anos da goleada. Nesta matéria, contam o que fazem hoje os heróis nacionais.
Alguns casos são curiosos. O zagueiro Wilson Pérez ganha dinheiro organizando partidas de futebol com outros "históricos" do 5 a 0, ou seja, vive disso até hoje. E joga na seleção colombiana de showbol. Carlos Valderrama, 52 anos, a cabeleira mais famosa da história do futebol, foi designado técnico da seleção colombiana indígena de futebol. Quem será seu primeiro auxiliar? Ele, Faustino Asprilla.
Asprilla, que jogou (e bem) por aqui, conta que antes do jogo os colombianos entraram em campo e a torcida argentina começou a atirar de tudo neles. Logo, recebeu uma ligação no celular de seu empresário e se colocou tranquilamente a conversar, no meio do campo (possivelmente o Asprilla era um dos poucos colombianos que tinham celular naquela época…). O zagueiro Alexis Mendoza conta que o gesto desafiador do atacante foi decisivo. "Ele estava tranquilo e relaxado. Ao mesmo foi engraçado e nos passou tranquilidade, pois o ambiente entre nós nos dias anteriores era tenso".
Gabriel Jaime "Barrabás" Gómez diz que no caminho, dentro do ônibus, Asprilla mostrava bolinhos de dólares enquanto os torcedores da Argentina cuspiam e atiravam coisas. Risadas que relaxavam.
A coisa acabou sendo tão fácil em campo que "el tren" Valencia conta que, com 4 a 0 no marcador, ele chamou Rincón, Asprilla e Valderrama de lado e cobrou: "está faltando meu gol, pô". E o quinto saiu.
O curioso é que, depois da goleada, o futebol colombiano entrou no mapa. Muitos jogadores saíram do país, o sucesso subiu à cabeça, a Copa de 94 foi um desastre e acabou, direta ou indiretamente, no assassinato do zagueiro Andrés Escobar. "No fim, aquele jogou nos trouxe mais coisas ruins do que boas, por tudo o que aconteceu depois", lamentou-se Mendoza a "El Tiempo".
"Nos embriagamos com a vitória e não soubemos lidar com o sucesso. Isso criou uma bola de neve e uma falsa expectativa em nós mesmos, jornalistas e até nos estrangeiros (Pelé??). Os resultados fizeram com que nos achássemos os melhores do mundo", relata o goleiro Óscar Córdoba.
Para a Colômbia pode ter sido ruim imediatamente depois, mas os efeitos acabaram sendo positivos ao longo prazo. O país entrou na rota do futebol, ganhou uma Copa América inédita, em 2001. Tem jogadores importantes no futebol europeu e agora está a poucos passos de voltar a um Mundial. Para jogar a Copa do ano que vem, no Brasil, a Colômbia pode se garantir por antecipação na rodada destes próximos dias nas eliminatórias sul-americanas.
A Argentina, líder das eliminatórias, também está pertinho de ir a mais uma Copa.
Após o vexame de 93, Diego Maradona voltou para a repescagem contra a Austrália. No Mundial dos EUA, a Argentina encantou o mundo, mas Dieguito caiu no antidoping (que não estava combinado) e a eliminação veio contra a Romênia, um dos grandes jogos da história das Copas. Em 98, eliminação em outro grande jogo, contra a Holanda de Bergkamp, nas quartas. Em 2002, após uma eliminatória brilhante com Bielsa no comando, veio a surpreendente eliminação logo na primeira fase. Em 2006 e 2010, os argentinos cruzaram o caminho dos alemães.
São 20 anos sem títulos e, ano que vem, 24 anos da última Copa em que a Argentina ficou entre os quatro. Grande, gigante, mas não tem botado muito medo, não. Será que Messi será capaz de quebrar a maldição dos 5 a 0?
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