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Julio Gomes

Kaká faz o certo ao voltar. E o Real exagera de novo, agora com Bale

Julio Gomes

01/09/2013 17h58

Quando pagou 65 milhões de euros por Kaká, em 2009, o Real Madrid arriscou. Sabia no que estava se metendo. Antes de Florentino Pérez, o presidente Ramón Calderón já havia pensado em mover montanhas por quem era, na época, um jogador colocado no mesmo nível de Messi e Cristiano Ronaldo.

Vamos lembrar. Eram os três grandes do futebol europeu. Kaká, campeão europeu com o Milan e melhor do mundo em 2007. Cristiano Ronaldo, campeão europeu com o Manchester United e melhor do mundo em 2008. Messi, campeão europeu com o Barcelona e melhor do mundo em 2009. Estavam no mesmo patamar.

Calderón assumiu a presidência em 2006 com Kaká como promessa de campanha. Mas, nos dois anos seguintes, desistiu. Segundo ele, seu diretor de futebol, o ex-jogador Pedja Mijatovic, avisara que seria necessário engolir seco e esquecer a promessa, pois fisicamente Kaká tinha sérios problemas. No jargão futebolístico, estava "bichado". Mas Florentino Pérez voltou ao poder. E que maneira mais gloriosa de voltar ao poder que trazendo os dois anti-Messis? Cristiano e Kaká chegaram no verão de 2009.

Kaká tinha, de fato, sérios problemas. E, apesar de muita gente ter falado em púbis, os problemas naquela região do corpo (e outros) eram todos decorrentes de um problema mais grave, no joelho, que gerava desequilíbrio muscular. O joelho demandava cirurgia. Kaká jogava com dores, se sacrificou em 2009 e 2010, acabou sofrendo problemas em outras partes do corpo. Uma das pessoas que participaram da equipe multidisciplinar que trabalhou com Kaká em 2010 me contou que ele "jogou a Copa do Mundo com uma perna só". Claro, o torcedor não quer muito saber disso. Para mim, é relevante, muito relevante. Com "uma perna só", Kaká jogou um Mundial para lá de digno.

Mas voltando ao Real. Florentino não pagou 65 milhões de euros em um jogador de futebol. Pagou em um nome. E sabia disso, porque o clube já tinha informes que mostravam isso. Quando José Mourinho chegou ao clube, em 2010, percebeu imediatamente que precisava vender Kaká por bastante dinheiro enquanto ele ainda valia e o mercado não sabia de tudo. Primeiro, Florentino se recusava a negociá-lo. Depois, o próprio Kaká. Isso enfurecia o português.

Kaká foi um dos maiores negócios da história do Milan. Comprou a preço de banana em São Paulo. Em quatro anos, chegou a duas finais de Champions League, ganhou uma, levou títulos nacionais. Tinha um Bola de Ouro que veio barato e, quando já vivia queda brusca física, foi vendido em uma das maiores negociações da história. Comprou uma Ferrari por preço de Fusca, depois vendeu um Fusca por preço de Ferrari.

E quem é o otário da história? A resposta fácil é "o Real Madrid". Mas, sinceramente, em um país quebrado como a Espanha, deve ter mais otário aí (o contribuinte?) enquanto o Real gasta montanhas e montanhas de dinheiro ano sim, ano também.

Se o presidente da empresa compra um fusquinha por preço de Ferrari e depois de quatro anos e rendimento zero manda o mesmo jogador para o mesmo clube DE GRAÇA, o que aconteceria com ele? No Real Madrid, nada. Ser presidente não é ter medo de ser demitido, é cuidar do poder, não da gestão.

E quem cuida de poder, não de gestão, compra Gareth Bale por 99 milhões de euros. E no mesmo dia vende Ozil. (A saída de Ozil não está concretizada ainda, mas deverá ser nas próximas horas.)

Bale, o galês, é um baita jogador de futebol, colocou o Tottenham em outro status no futebol inglês. Mas jogador mais caro da história?? Bale não é Cristiano Ronaldo. Nem Messi. E olha… nem Ozil, para o meu gosto. Querer contratar Bale é lícito. É um baita reforço. Pagar o que o Real Madrid paga me parece completamente fora de lugar. Gareth Bale não irá colocar o Real Madrid em outro patamar. Ele simplesmente vai melhorar a qualidade do elenco.

Ozil, por outro lado, é um jogador adaptado ao time, à torcida, à liga, é novo e é joia rara em um futebol atual de muita velocidade e pouco cérebro. Quem comprar, parece que será o Arsenal, estará fazendo um grandíssimo negócio.

E Kaká? Bom, Kaká acerta. Ele tentou. Comeu o pão que o diabo amassou para se recuperar fisicamente e já está bem há dois anos. Mas não tem mais o que era a maior virtude de seu jogo: arrancadas em velocidade com mudanças bruscas de ritmo e direção. Sem isso e, aparentemente, sem a capacidade de reinventar seu modo de jogar futebol, Kaká passa a ser um muito bom jogador, mas não um espetacular nem um top 10 da Europa.

Na cabeça de Kaká, tudo o que ele precisa é de ritmo. Para se reencontrar, para voltar a ser protagonista. Ele achava que, sem Mourinho, com Ancelotti, seu velho treinador, as coisas se encaixariam em Madri. Pelo contrário. O clube traz Isco, Bale e a fila para jogar só aumenta. Pelo jeito, Ancelotti e Mourinho veem mais coisas no futebol de forma parecida do que muitos pensávamos. Caiu a ficha para Kaká.

Ele poderia voltar ao Brasil. Seria estrela em nosso futebol "bichado", lento e carente de talentos e estrelas. Poderia ganhar muito dinheiro nos Estados Unidos ou na China. Mas ele já tem muito dinheiro e ainda acha que pode jogar em alto nível na Europa, não haveria lugar melhor que o Milan. Assim como não tem espaço no Real Madrid, também não teria no Barcelona, Manchester City, Chelsea, Bayern de Munique, PSG ou Juventus – que são os melhores do continente no momento. O Milan é um gigante, é sua velha casa, é amado pelos torcedores, e o clube vive um péssimo momento. Ou seja, ele vai jogar, terá minutos.

Não haveria casamento melhor no momento. Kaká, que não é mais Ferrari, mas também não é Fusca, ganha minutos. E o Milan ganha o sonho de disputar o título italiano.

Não consigo ver a seleção brasileira ganhar uma Copa do Mundo cheia de jogadores debutantes. Felipão vai precisar de veteranos, mesmo que seja para ficar na reserva, compor grupo. Kaká seria um reserva de luxo para Oscar, por exemplo, um cara que não reclamaria de eventual banco e traria muita experiência. Kaká sai do Real e vai para o Milan em nome da honra, de provar a si mesmo que ainda pode jogar em alto nível, em nome da Copa do Mundo de 2014.

Kaká é bom caráter, batalhador e merecedor de tudo o que tem. Acho que o plano dele vai dar certo.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.