Técnicos se unem por estabilidade, mas com discursos antagônicos
Segunda-feira, 19 de agosto, 10h48 da manhã. Neste exato horário, foi anunciada oficialmente a criação da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol.
Gostei de muitas coisas que ouvi. Não gostei de muitas outras. Mas dou meu voto de confiança e explico o porquê em instantes.
A ideia surgiu meses atrás e foi em um encontro fortuito, em uma loja de departamentos em Orlando, Estados Unidos, que Caio Júnior convenceu Vágner Mancini a liderar a empreitada. Os líderes do movimento, chamemos de núcleo duro, são Mancini, Caio, Dorival Junior, Falcão e Alfredo Sampaio. No entanto, o presidente da Federação é Zé Mário, 64. A benção vem de Luiz Felipe Scolari, presente no evento de hoje e anunciado como membro do "conselho consultivo".
O que os técnicos querem? Basicamente, estabilidade e respeito. Foram as palavras mais repetidas e, nisso, todos concordam.
São quatro os pontos principais, pelo que me contou Caio Júnior: garantia de um tempo mínimo de contrato na carteira de trabalho; direito de arena (hoje, parte grande dos honorários dos jogadores); registro na CBF; e que o clube só possa contratar um novo técnico se estiver quite com o que acaba de ser demitido. Este último, na minha opinião, o mais importante de todos.
Os clubes mandam treinadores embora a torto e direito e, para conseguir o que lhes é devido, os profissionais precisam ir à Justiça. Ou seja, só recebem no dia de São Nunca. Eles querem ir a Brasília com um conjunto de propostas para que a categoria fique protegida. Me parecem pedidos justos, justíssimos. A partir de agora, com a Federação fundada, os técnicos prometem se reunir para fechar direitinho que pontos serão esses. As prioridades.
O que eu não gostei: de ouvir mais pedidos de direitos do que deveres. E de ouvir muitos discursos de classe, corporativistas, daqueles que você encontra também entre jornalistas, médicos, etc. Alguns técnicos sentem-se ofendidos quando falamos (e eu falo mesmo) que o futebol brasileiro está atrasado. Sentem-se pessoalmente atingidos.
Alguns são mesmo acomodados e atrasados. Outros não, longe disso. Eu vejo treinadores brasileiros extremamente preocupados em estudar, aprender, evoluir. E vejo outros que acham que já sabem tudo no futebol e não têm mais no que evoluir. Vejo treinadores que buscam literatura, teoria e métodos de treinamento. E vejo os que só atuam de forma empírica. Vejo técnicos brasileiros atentos aos conhecimentos do exterior e prontos para fazer intercâmbios. Outros que deitam no "somos penta".
Ao evento em São Paulo, compareceram somente 5 dos 20 técnicos dos clubes da Série A: Mancini, Dorival, Caio, Guto Ferreira (Portuguesa) e Oswaldo de Oliveira (Botafogo). Outros dois (do Santos e do Náutico) mandaram mensagens lidas pelo mestre de cerimônia, o jornalista Olivério Júnior. Carlos Alberto Parreira e Alexandre Gallo não puderam comparecer. Mas senti falta de nomes de peso, como Tite, Autuori, Luxemburgo, Abel, Mano Menezes, Cuca, Dunga, Celso Roth…
Mesmo com as ausências, havia um grande número de treinadores. Estavam lá Scolari, Murtosa, Gilson Kleina, Falcão, Ney Franco, Leão, Ricardinho, Silas, Pintado, Toninho Cecílio, Geninho, Hélio dos Anjos. No total, aproximadamente 40 profissionais. A classe parece bem representada, a Federação nasce forte.
Nota triste: Mustafá Contursi, presidente do Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional (???!!!), sentou-se à mesa. Teve técnico que não quis tumultuar, mas sentiu-se bastante incomodado com as presenças de Mustafá e Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas de SP, na mesa.
Também teve técnico que confessou não se sentir confortável ao lado de Alfredo Sampaio, que há anos treina times pequenos no Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, é presidente do Sindicato de Atletas do Rio. Há quem veja um enorme conflito de interesse aí, como admitiu o próprio Sampaio quando teve o microfone.
Minha preocupação: a classe parece unida para pedir respeito e para encontrar mecanismos que tragam estabilidade à profissão de treinador de futebol. Mas, indo além, o discurso é bem diferente entre integrantes da nova geração e outros mais antigos. O modo de ver futebol é diferente e não consegui sentir a menor firmeza na Federação para chegar a objetivos mais distantes e profundos, como a criação de uma escola de treinadores, métodos de treinamento, formação de profissionais, etc. Alguns querem que seja vestida a sandália da humildade e sejam dados alguns passos atrás. Outros, seguem achando que o brasileiro está dez passos à frente dos outros.
O presidente Zé Mário, carioca, 64 anos, jogou no Flamengo, Fluminense, Vasco e se aposentou na Portuguesa, em 82. Logo emendou a carreira de técnico, que durou até 2009 com passagens por diversos clubes médios e pequenos do Brasil (exceto o Inter, em 2001), além de países como Japão, Iraque, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, onde trabalhou pela última vez. "Nós somos os melhores profissionais de futebol do mundo", bradou Zé Mário em seu discurso.
A frase, com a qual discordo completamente, foi dita minutos depois de Dorival Júnior, com microfone em mãos, afirmar algo totalmente diferente: "Talvez o Brasil viva tecnicamente o pior momento do futebol em muitos anos."
Vágner Mancini foi o único a falar na "formação de técnicos" como um dos objetivos a serem atingidos no futuro. Logo depois, veio uma pergunta sobre por que os treinadores brasileiros não têm espaço na Europa, pergunta direcionada a Luiz Felipe Scolari. E a resposta foi: "Como já falamos aqui e ouço muitas vezes de todos, principalmente da imprensa, que precisamos nos atualizar, que temos que… Quero saber o que é a atualização em futebol. Se vocês da imprensa puderem me explicar…"
Atualização não parece ser exatamente a preocupação da maioria. "Se eu falasse sobre isso lá dentro, sobre intercâmbio e tudo o mais, a coisa explodiria. O momento é outro. É como a abertura de uma loja. Às vezes não está tudo pronto, mas chega uma hora que tem que abrir. E depois as coisas vão se ajustando. Esse primeiro passo, de união da classe, precisava ser dado", me falou outro treinador importante.
"Tínhamos que dar o primeiro passo", disse Felipão.
A fundação foi isso. Um primeiro passo. Considero Vágner Mancini,Caio Júnior, Falcão e Dorival Júnior gente muito, muito séria e bem intencionada. Vou dar crédito, então. Percebi em todos eles alta dose de alegria com o momento, mas misturada a certa dose de preocupação também. Que esse primeiro passo gere muitos outros, no entanto, e não só dois ou três. Boa sorte aos coaches!
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