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Julio Gomes

Dunga, o Zangado. Dunga, o Mestre. Dunga, o Feliz?

Julio Gomes

16/08/2013 00h36

Dunga sempre me deu medo. Cobri muitos jogos da seleção em 2006, 2007 e 2008, depois disso a Copa de 2010. E nunca me senti confortável ao lado de Dunga. Nada contra o cara! Aliás, amigos em comum, da TV Bandeirantes, onde ele trabalhou e eu também, sempre me falaram só boas coisas. Não me dava mal e nem me dava bem, era uma relação distante e profissional. Mas sempre tive medo do cara!

Dunga te passa a constante impressão de que, pergunte o que você pergunte, responderá com uma porrada. Ele passa a impressão de achar que todo mundo está ali com a única intenção de provocá-lo ou criticá-lo. E talvez seja assim mesmo, siga sendo e sempre será. Está cheio de gente no mundo que vive na defensiva, com dez pedras na mão. Ele, digamos, tem uma postura defensiva que vira ofensiva em questão de décimos de segundo.

Há quem diga que é rancor, que é mágoa pelas porradas que levou depois da Copa de 90. Mas nunca vi ninguém vir a público falar que, antes de 90, Dunga era um sujeito agradável com a imprensa, bonzinho, hiper educado. Possivelmente, esse jeito de ser seja apenas um jeito de ser, sem relação alguma com críticas do passado, do presente e do futuro.

Dunga, o Zangado. O homem que não xinga o gandula, que vai lá e aperta o braço dele no momento do esporro. Na minha opinião, encostar no garoto é cruzar o limite, mas percebe-se claramente que ele não se controla. É o homem que dispara todos os palavrões possíveis e imagináveis quando seu time faz um gol aos 49 minutos do segundo tempo. Eu também faço isso! Mas eu faço isso… rindo. Não é possível que o Willians não tenha ficado assustadíssimo naquela hora do terceiro gol, quando foi ao banco comemorar com o técnico e ouviu uma incrível seleção de impropérios. Eu até me encolhi no sofá de casa!

Aí, vem a coletiva. É porrada atrás de porrada. E às vezes eu tenho a nítida impressão de que ele não acha que está sendo bruto com o perguntador. Ele não percebe a mistura de agressividade e ironia que imprime em quase todas as respostas. Ou percebe, sei lá. Me lembro como se fosse ontem da famosa coletiva depois do jogo contra a Costa do Marfim, lá na África do Sul. Aquela do "cagão de merda", lembram? O Alex Escobar, da Globo, estava sentado duas fileiras atrás de mim, na mesma diagonal. Parecia que o Dunga estava resmungando para mim e eu fiquei alguns minutos pensando "caceta, o que eu fiz?". Não era eu. Ufa.

Cobrir o Inter todos os dias não deve ser nada nada nada fácil.

Dunga, o Mestre. Com tudo isso que acabo de escrever, é impressionante a ascendência de Dunga sobre seus jogadores de futebol. São todos "Dunguistas". Todos. Em todos os meus anos cobrindo a seleção brasileira, eu nunca vi uma tão fechada com seu treinador como a de 2010. E isso inclui a família Scolari. Nenhum, nenhum jogador com quem conversei falou um "A" sequer de Dunga. Nenhuma crítica. Nenhuma insinuação. Nenhuma reclamação. Nenhum desabafo. Nadica de nada.

Os jogadores jogam por ele, correm por ele, suam por ele, vibram por ele. E isso, amigos, não é pouca coisa. Não há nada mais gratificante para um chefe do que ter um grupo de amigos, mais do que subordinados. E um técnico de futebol não deixa de ser um chefe, oras. No futebol, esse tipo de círculo que se fecha com treinador e jogadores costuma acabar em ótimos resultados.

Na seleção brasileira, sejamos justos, Dunga ganhou tudo, exceto a Copa. O time tinha cara, um jeito de jogar, coerência, personalidade, paixão. Tinha tudo o que se pode pedir. Mas perdeu um jogo, acontece. Talvez porque tenha faltado controle? É, talvez.

O chefe Dunga certamente é mais Mestre do que Zangado em seus relacionamentos de trabalho, porque senão os jogadores não fariam o que fazem por ele. Se ele fosse, no dia a dia, o mesmo cara da coletiva… ninguém aguentaria.

E aí chegamos ao Internacional. Um clube que montou bons elencos nos últimos anos, conseguiu as sonhadas Libertadores, mas não ganhou o Brasileiro. Lá se vão 34 anos sem um Brasileiro, muita coisa para um clube desse tamanho. O elenco atual não é muito diferente dos outros anos: é bom. Ótimo, até. Sem dúvida, no papel, candidato ao título. Como os outros.

Será que Dunga será o fator diferencial? Quem me acompanha sabe que eu considero o Corinthians favorito para ganhar o Campeonato Brasileiro, não vejo nos rivais força para aguentar a maratona que é essa competição. Quando penso no Inter, penso sempre no fator campo. Jogar fora de seu estádio é fogo. Viajar sempre cansa. Não ter casa é um problemaço. E pontos escorrem, como aqueles contra o Bahia.

Mas não dá para descartar, né. Não sou tão maluco assim. Aliás, que o Inter acabará no G-4 é uma certeza que eu tenho.

Se alguém perguntar a Dunga se ele é um cara feliz, eu não tenho dúvida de que a resposta será "claro". O difícil é pra nós, de fora, saber quando ele está feliz. Será que saberemos no final do Brasileirão? Será que haverá um sorriso naquele rosto? Uma expressão de alegria, emoção?

Zangado e Mestre, nós já sabemos que Dunga é. Será que um dia veremos o Dunga Feliz?

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.