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Julio Gomes

Em 97 minutos, a Portuguesa faz aniversário e conta sua própria história

Julio Gomes

15/08/2013 00h02

A Associação Portuguesa de Desportos é, para os mais jovens, uma instituição insignificante. Um time pequeno de São Paulo, que poucos entendem por que ocupa um lugar na elite do futebol nacional, dominada por times de massa de diversas cidades grandes do país. Quando eu digo mais jovens, calculo pessoas que nasceram dos anos 90 para frente, a tal geração playstation, a turma que domina Twitters e Faces e essas coisas todas que lemos todos os dias. Mas que não sabem quase nada sobre história, sobre respeitar o passado, os legados, os mais velhos, se esquecem que não inventaram o futebol ontem.

Eles não sabem que a Portuguesa foi enorme um dia e acabou se apequenando gestão após gestão, erro após erro, ano após ano. Mas sim, foi grande, gigante, importante. O clube esteve, em regra, nas mãos de bandidos ou de burros limitadíssimos ao longo de sua história. Ou o espertalhão que meteu a mão no dinheiro que deveria estar no clube. Ou o bem intencionado que não sabe administrar nem mesmo uma padaria de bairro, quanto mais ter visão para modernizar o clube e fazê-lo saudável e competitivo ao longo dos anos.

Nos anos 50, a Portuguesa formou base de seleção brasileira, excursionava com sucesso pela Europa, ganhou duas vezes o Torneio Rio-São Paulo, que era o mais importante que havia para ganhar naquela época. Nas décadas seguintes, sempre foi um time de encher estádio, estádio próprio, e revelar jogadores importantes para o futebol. Um time de disputar títulos aqui e ali, em regra sem ganhá-los, e de nunca, nunca mesmo jogar para não cair.

Em 2002, quando a Portuguesa é rebaixada pela primeira vez, foi um susto. Só que aquele momento mudou a história do clube quase que em definitivo. Não havia sido só um susto. Foram muitos anos de segunda divisão, muito dinheiro que deixou de entrar, muitos erros administrativos. E o clube está minguando. Por enquanto, está na turma "iôiô", de sobe e desce. Daqui a pouco, naturalmente ficará mais em outras séries do que na principal. O clube está acabando, enfim.

Uma tristeza gigante para nós, que amamos a Portuguesa. Mas, certamente, uma nota triste também para o futebol brasileiro, pois é um pequeno pedaço de sua história que morre pouco a pouco.

Neste 14 de agosto de 2013, a Portuguesa completou 93 anos de idade. Uma idosa que está velhinha, velhinha, mal das pernas, precisando de ajuda, meio que abandonada em seu canto. Resistindo como pode.

Neste 14 de agosto, durante 97 minutos em Curitiba, com poucos graus celsius e sensação de menos ainda, foi feito o mais perfeito resumo já visto da história dessa velhinha.

Chegou ao estádio desacreditada, contra um time mais forte e que dava a vitória como certa e essencial. Foi para não levar gols, segurar um empatezinho. No primeiro tempo, ainda, o juiz, daqueles que marca falta em qualquer coisa, saiu distribuindo cartão amarelo para o time todo. Tira um do próximo jogo, tira outro, tira outro. E aí, claro, expulsa um da Portuguesa. Pronto, segundo tempo inteiro com um a menos. Lá vem pressão.

E veio, mais ou menos. Mais para menos do que para mais. O Coritiba, com 584 desfalques, mostra aquilo que eu venho dizendo há tempos. Não vai ter elenco para aguentar a maratona, vai faltar gás em muitos momentos, gás que será suficiente para tirar o Coxa da luta pelo título e, talvez, até do G-4. Mas voltando à Portuguesa. Com um a menos, de maneira improvável, como sempre ao longo de sua história, arruma lá um golzinho. Gilberto, chama-se o rapaz. 1 a 0. Caramba! Está 1 a 0.

E o tempo não passa. Como não passava naquele Paulista de 95, no Pacaembu, naquela final de 96, no Olímpico, como naquela semifinal do Castrilli, em 98, no Morumbi, como não passava na semifinal de 98 no Mineirão. Parece que até o relógio joga contra a Lusa.

O Coritiba martelava, a Lusa se defendia, e o 1 a 0 improvável seguia lá no placar do frio Couto Pereira. A câmera fechava o máximo possível para mostrar a torcida da Lusa no estádio, eram quatro, às vezes apareciam cinco. Que bravos, são. Heróis.

E aí o juiz, que eu nem quero saber quem é, porque é um cretino desgraçado, como todos os outros da história, resolve dar 5 minutos de acréscimos. E eu fico me perguntando em que outro jogo do Campeonato Brasileiro alguém deu 5 minutos de acréscimos. Nenhum, possivelmente. É só contra a Lusa que dão 5 minutos de acréscimos.

E aí a Lusa perde um gol aos 45 minutos. E aí o Corrêa fica cara a cara com o goleiro e perde um gol feito aos 47. E aí você, que torce pela Portuguesa, já sabe o que vai acontecer. Mas você não quer acreditar, você se apega àquele sentimento de "hoje não, hoje não. Hoje vai dar". E aí, aos 49 minutos e 30 segundos, um cidadão dá um bicão para cima. E a bola pipoca na área e o outro cidadão chuta pro gol e o outro cidadão, completamente impedido, mete o gol de empate. E aí você, que ficaria extremamente feliz com um empate de 0 a 0, com um jogador a menos, fica puto da vida com um empate de 1 a 1, apesar de o ponto ganho ser o mesmo.

Tomar gol no último minuto está no DNA da Portuguesa. Ser roubada pelos mais diversos árbitros e bandeirinhas, também. Fazer partidas heróicas que acabam em tragédia são a marca desse clube, tal qual qualquer fado que a gente resolva ouvir.

No dia seguinte, os torcedores ficarão todos putos porque, nos programas de TV, ninguém vai falar do erro que tirou dois pontos que podem definir um novo rebaixamento. Se fosse do Corinthians, do São Paulo, do Palmeiras, ficariam uma hora e meia vendo e revendo o lance. Mas com a Lusa ninguém está nem aí. Aqui, confesso, não me incluo, porque sou jornalista e sei como a banda toca. E convenhamos, ninguém está mesmo nem aí com a Lusa.

Vamos ficar o campeonato inteiro lembrando do gol levado no último minuto contra o Náutico. E contra o Criciúma. E contra o Atlético-PR. E o gol roubado contra o Coritiba. E lá se vão 7 pontos. Seriam 20, tão longe do rebaixamento. Esses 7 pontos vão martelar, martelar, martelar, martelar.

No aniversário da Portuguesa, nenhum jogo poderia ter tido mais cara de… Portuguesa. Foi o perfeito resumo da história deste simpático clube. Mas a gente segue. Porque a gente aprendeu que a gente segue. E assim será. Para sempre.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.