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Julio Gomes

Coxa manda recado. Problema é que nosso futebol é para maratonistas

Julio Gomes

09/08/2013 00h54

Eu sou um crítico ferrenho do movimento pelo qual passa o futebol brasileiro. Uma distribuição de cotas de TV que abrirá um abismo entre clubes e possivelmente terá duras consequências esportivas.

Vejamos. Um pouco de história, antes de falar do Coxa. O futebol daqui, ao contrário do europeu, nasce, cresce e amadurece de forma regionalizada. Até 20 anos atrás, os campeonatos estaduais tinham o mesmo peso do Campeonato Brasileiro. Antes disso, tinham ainda mais peso. É por isso que somos um país com tantos times chamados grandes. Quatro em São Paulo, que já foram cinco, quatro no Rio, dois em Belo Horizonte, dois em Porto Alegre, dois em Salvador, três no Recife, dois até em Campinas, Ribeirão Preto, Caxias…

Hoje, o futebol brasileiro virou nacional, um movimento irreversível. É óbvio, lógico, não dá nem para discutir que se a cidade de Curitiba estivesse toda voltada para um time só, seria mais fácil ter impacto nacional do que dividindo-se entre três. O mesmo serve para Salvador, Belém, Natal, Florianópolis, Fortaleza…

Se o futebol continuar com esse mesmo modelo atual, dentro de algumas décadas a nacionalização terá engolido o que a regionalização criou. Clubes locais grandes sumirão, como o Guarani vai desaparecendo. Em alguns lugares, a divisão pode sobrar até para os dois, como acontece com Remo e Paysandu. Se isso é bom ou ruim, não sei, mas este é o movimento atual.

Ao longo da história, a grandeza regional de alguns clubes fez com que eles levassem essa força para ocupar um espaço no topo nacional em muitos momentos: assim ocorreu com Bahia, Coritiba e Atlético-PR, todos campeões brasileiros, mas sem consistência de disputa lá em cima ano a ano.

O problema é: se a grandeza regional perde relevância, e esse é o movimento que vivemos, cada vez fica mais difícil isso se transferir para um nível nacional. Você ganha teu Estadual e depois só joga para não cair no nacional. Ou seja: Bahia, Coritiba, Sport e outros terão uma possibilidade cada vez mais rasa de chegar lá no alto. Fica praticamente impossível, em outras palavras.

E aí chegamos às cotas. O futebol brasileiro vive o sério problema de a negociação de direitos de TV ser feita de forma individualizada, não coletiva. Esse tipo de erro foi o que transformou a liga espanhola no que ela é hoje: dois milionários e o resto que se dane. Esse tipo de erro pode ter efeitos parecidos no futebol brasileiro. A implosão do Clube dos Treze é recente, de dois anos atrás, então estamos apenas no início do que eu considero um desastre.

O Coritiba, um gigante regional, não tem hoje, por A + B, chance alguma de ser campeão brasileiro. Porque a diferença orçamentária é brutal em relação a tantos times. E o Campeonato Brasileiro tem um formato de maratona. Em maratonas, o time importa pouco, é o elenco que vale. Há cartões, lesões, muitos, muitos, muitos problemas físicos a serem administrados. Não é à toa, não é mera coincidência, que nos últimos oito anos só foram campeões os quatro clubes mais ricos do país – três deles por causa de TV/enormes torcidas, um porque tem um mecenas que o equipara financeiramente aos outros. Com a atual divisão de dinheiro, isso vai se acentuar ano a ano.

O torcedor do Coritiba fica p… da vida quando eu digo que pensar em título é absurdo. Mas amigos do Coxa, tentem entender o que estou querendo dizer. Eu também fico p da vida!! Eu acho cretinice termos um campeonato em que o dinheiro manda dessa maneira. Eu queria muito acreditar que o Coxa vai manter o fôlego e disputar o título. Só que não vai. E essa não é uma crítica ao Coritiba, muito pelo contrário. É uma crítica ao campeonato, a esse crime que é o Coxa receber tanto dinheiro a menos que outros tantos. Há de se brigar para que isso mude, não com o blogueiro que vos escreve.

Vivemos em uma era em que os times médios nacionais precisam fazer tudo, tudo, tudo direitinho. Precisam da torcida lotando o estádio todo jogo. Precisam de um Alex resolvendo abrir mão de grana para jogar no time do coração. Precisam de sorte, muita sorte com as arbitragens, com o calendário, etc. Tudo isso junto e de uma vez para, talvez, somente talvez, ficar ali rondando o G-4 e disputar uma vaga na Libertadores na reta final do campeonato.

O Figueirense, dois anos atrás, fez tudo direitinho. Tudo. Brigou por Libertadores. No ano seguinte, cometeu alguns erros. Caiu. É assim de cruel a vida atual dos clubes que estão fora do eixo SP-RJ-MG-RS.

O fato é que a vitória do Coxa sobre o Grêmio, em plena Arena e sem Alex, é um recado. E logo depois de encarar o Cruzeiro e fazer um bom jogo no Mineirão, também sem Alex. A vitória em Porto Alegre é um recado para os próprios jogadores, além do consumo externo. Esse é um time capaz de vencer qualquer um em qualquer lugar. E sem Alex. Esse tipo de confiança pode ser determinante para o Coritiba manter um ritmo forte e adiar, adiar o máximo possível, o momento em que a maratona o fará ficar com a língua de fora.

Tem Copa Sul-Americana vindo aí. O Coritiba é o melhor time do Brasil, no momento, entre todos os que estão na disputa, acima do São Paulo. E aí? Vai tentar a Libertadores via Sul-Americana? Ou via Brasileiro? Não tem elenco para jogar com dois times diferentes e manter o alto nível… cuidado. Aqui, uma armadilha gigante pela frente para o Coxa. Possivelmente seja melhor escolher um dos dois campeonatos desde já: ou aposta no Brasileiro ou aposta na Sul-Americana.

Bom, o recado está dado. O Coritiba deu um passo de gigante na noite desta quinta-feira. Precisa ser respeitado de verdade. Se os ricaços São Paulo, Fluminense e Grêmio continuarem fazendo uma campanha medíocre para os elencos caros que têm, é muito boa notícia para o Coxa. O título da Libertadores do Atlético também foi uma baita notícia, é um rico a menos na disputa. O G-4 pode se tornar uma realidade, mesmo na maratona. Título? Para mim, insisto, sonho impossível.

Mas enfim. Sonhar não custa nada, já dizia a música…

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.