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Julio Gomes

Fator Messi e escola botam argentino no Barça. Um novo Luxa? Não creio...

Julio Gomes

22/07/2013 17h30

O argentino Gerardo Martino será o próximo técnico do Barcelona. Ainda não foram anunciados os detalhes, mas pelo jeito será um contrato de três anos. Para quem estava por fora, Tito Vilanova teve uma recaída do câncer que o atingiu, fará nova cirurgia, novo tratamento e ficou impossibilitado de seguir no cargo. O Barça agiu rapidamente, dado que a temporada já está começando, e foi buscar o "Tata" Martino na Argentina.

Vamos por partes.

No post que escrevi sexta-feira, não citei o nome de Tata Martino como candidato por uma razão muito simples. É um treinador desconhecido na Europa, muitos jogadores não sabem nem quem ele é (deveriam). Em vestiários de clubes muito gigantes e multinacionais, às vezes a hierarquia é mais considerada do que propriamente o conhecimento do treinador.

Achava, por essa razão, que o Barcelona iria buscar uma solução interna ou de mais peso. Ou seja, algum treinador "cria" do próprio clube, como Luis Enrique (que está no Celta, mas sairia rapidinho). Ou então De Boer (no Ajax) ou Laudrup (Swansea), dois ex-jogadores do Barça e que fazem ótimos trabalhos inspirados no estilo de jogo holando-catalão (termo de autoria própria). Ou um Guus Hiddink da vida.

Mas eu deixei passar uma coisa importante. O fator Messi.

Messi é de Rosário, é hincha do Newell's Old Boys. Quando o garotinho de 8 anos de idade entrava na escolinha do clube, "el Tata" Martino, um meia clássico e habilidoso, deixava o clube depois de década e meia de serviços prestados, é o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube. No início dos anos 90, os olhinhos infantis de Leo viam o Newell's viver seus anos mais gloriosos, com Marcelo Bielsa no banco, Tata Martino no campo.

Não sei qual o tamanho da influência de Messi na decisão do Barcelona, mas, no mínimo no mínimo, é um agrado. Os "chefes" do vestiário do Barcelona, Xavi e Puyol, conhecem bem Tata Martino. Em 2010, o Paraguai ficou muito, muito perto de eliminar a Espanha nas quartas de final da Copa. Desafiando o tiki-taka com um futebol agressivo, parecido com o que o Brasil de Felipão fez no mês passado – mas sem o mesmo talento à frente.

Se Martino é ídolo de Messi e conhecido de Xavi… está resolvido.

A chegada de Martino ao Barcelona me lembra a de Vanderlei Luxemburgo ao Real Madrid, mas tem algumas diferenças fundamentais.

Em dezembro de 2004, quando o Real Madrid decidiu buscar Luxemburgo, não havia um técnico de peso solto no mercado europeu, e o clube resolveu apostar em quem ganhava muito no Brasil, com experiência de seleção brasileira nas costas (pressão parecida com a do cargo no Madrid) e com ascendência sobre jogadores de peso do vestiário – Ronaldo, Roberto Carlos, etc. É um cenário parecido com o de agora: o Barça não vê técnicos de peso soltos, busca um treinador de sucesso na América do Sul e com ascendência sobre o maior astro.

Só que três coisas importantes aconteceram lá em 2005 e que atrapalharam o roteiro de Luxemburgo. Uma, a falta de domínio do idioma (como consequência, pior comunicação com jogadores, imprensa etc). A segunda, o fato de aquele ser um vestiário rachado. Ascendência sobre alguns jogadores, verdade, mas inimizade quase inerente com outros. A terceira coisa era a falta de experiência em outro país, outro futebol, a consequente falta de habilidade para resolver conflitos inéditos na carreira, nas entranhas do clube.

Martino não tem os dois primeiros problemas, nem o do idioma nem o do vestiário rachado. O terceiro ponto é um risco. Foi com Luxemburgo para o Madrid, será com Martino para o Barcelona. Como ele irá lidar com os jogadores, com os médicos, com os preparadores físicos, com os diretores, com as pessoas da base, com a imprensa?? Isso, só o tempo dirá. Mas já há críticas, já li gente de peso da imprensa europeia metendo o pau na contratação de um técnico tão low profile.

Tata Martino só passou pela Europa como jogador, não como treinador. Aliás, essa é uma curiosidade. Jogou no Tenerife, em 1991, e estreou justamente contra o Barcelona. No gol adversário estava Zubizarreta, que agora é o chefe.

Dito tudo isso, tem um fator , no entanto, que poderá beneficiá-lo muito: o fator escola. Ele é um pupilo de Bielsa que, por sua vez, foi um dos mentores de Pep Guardiola na transição de jogador para treinador de futebol. Já deu diversas declarações de amor ao jeito Barça de ver e jogar bola.

De alguma maneira, o Barcelona fica refém de sua própria alma, de seu próprio estilo. Não adianta buscar um técnico bom. Tem que buscar um técnico bom, que entenda o espírito do clube e de seu jogo, que admire e siga conceitos de sua escola.

Marcelo Bielsa não é chamado de "louco" à toa. É um treinador que esgota os jogadores mentalmente, que hoje em dia é visto no mercado como um técnico com prazo de validade. Então o Barcelona foi buscar o discípulo, o novo Bielsa.

Com todo respeito a Olimpia e Atlético, o futebol não é feito somente de resultados. E nenhum time da América do Sul mostrou um jogo tão completo e desenvolvido como o Newell's Old Boys neste semestre. Um futebol com identidade própria, independente do adversário ou do campo, um time com amor à posse de bola, controle de jogo, atacando e defendendo como um só bloco. Campeão argentino e derrotado na Libertadores porque o futebol é o futebol, e fatores como sorte e falta de luz na hora certa também jogam.

Acredito, pelo que vi no Newell's, que Martino poderá trazer coisas diferentes taticamente. Coisa que Tito Vilanova não estava conseguindo fazer.

Depois da ótima eliminatória, ótima Copa-2010 e final da Copa América-2011 com o Paraguai, Tata Martino deu um salto na carreira com o trabalho feito no Newell's. E agora dará um salto com o qual nem ele contava. Vamos ver se não será maior que as pernas.

O Barcelona arrisca, é verdade, mas os elementos de sua escola estão no caráter de Tata Martino. E Messi está lá também. Acho que vai dar samba. Ou melhor, Cumbia.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.