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Julio Gomes

O trabalho duro de Tite. O trabalho duro de Autuori

Julio Gomes

18/07/2013 05h41

O abraço no final do jogo foi longo, em tempo e distância. Tite e Paulo Autuori se encontraram no meio de campo e caminharam abraçados por 20 metros, até a intermediária mais próxima do tobogã do Pacaembu. Se despediram, "boa sorte", um deve ter dito ao outro. Gosto de ver dois dos mais poderosos clubes do Brasil nas mãos (pelo menos a parte de campo) de pessoas decentes, honradas e trabalhadoras.

Gente que entende que o futebol precisa de método, estudos, trabalho, que não funciona a base de gritos, "pega, pega, pega", "vocês vão ganhar porque são melhores", essas bravatas todas. Gente dedicada, que entende que existe vida futebolística fora das nossas fronteiras, que foi e que vai buscar conhecimento em outros lugares. E que agrega e acrescenta.

Trabalho duro não faltou a Tite e não faltará a Autuori. Existe um mundo entre Corinthians e São Paulo dentro de campo. E o abismo que separava o São Paulo dos outros fora dele já não existe mais, então "é correr atrás", como bem disse Rogério Ceni.

O Corinthians, ao vivo e a cores no estádio, é ainda mais europeu do que na TV. Ontem, entendi perfeitamente por que Pato não é titular desse time. Por mais que tenha vivenciado e aprendido na Europa, falta a Pato aquela voltagem nas pernas, ganas de acompanhar o lateral adversário, conexão total com o jogo. Como é grande o fato de um treinador convencer jogadores com o perfil de Romarinho e Emerson a marcarem, participarem do trabalho sujo defensivo! É isso o que eles fazem – e bem.

Falta ao Corinthian ainda juntar mais as linhas. Adiantar os zagueiros, sufocar o adversário em um pedaço ainda menor de campo, deixá-lo em impedimento. O campo ainda é longo, também para o Corinthians, mas a pressão defensiva exercida pelos atacantes (ensinada pelo Barcelona de Guardiola) está lá. E fez com que o São Paulo não conseguisse trocar três passe na primeira meia hora de jogo.

É muito trabalho duro para fazer um time inteiro se comportar assim. Agora a missão de Tite, com o melhor elenco do Brasil, é fazer essa turma correr do mesmo jeito no Brasileirão. Se repetir a faca nos dentes que tinha ontem, que tinha no ano passado, o Corinthians chegará ao título sem grandes dificuldades.

Trabalho duro feito por Tite, trabalho duríssimo pela frente para Paulo Autuori. O São Paulo é um time despedaçado, sem confiança e sem esperança. O jogo coletivo não foi tão ruim ontem, mas, individualmente, está no fundo do poço. Venho dizendo desde antes de o Brasileiro começar que o São Paulo não tinha time para título, somente para disputar Libertadores. Apesar de ser um elenco caro e de nomes importantes, parece que a Libertadores vai virar um sonho distante. Esqueçam rebaixamento, essa é uma ideia absurda, dada a devastadora diferença financeira entre o São Paulo e nove, dez outros clubes da primeira divisão. Mas o melancólico meio de tabela vai se desenhando como um destino provável.

Ganso é uma caricatura. O talento nos pés é inversamente profissional ao dinamismo e participação coletiva no jogo. As linhas estão exageradamente espalhadas, e o sistema defensivo é um desastre. Conversei com Autuori após a partida e a palavra de ordem é "defesa, defesa, defesa". A sangria de gols precisa parar. Haja trabalho pela frente!

Abaixo, alguns cliques deste fotógrafo mequetrefe no Pacaembu, com os respectivos comentários.

IMAGEM 1

Para fazer as fotos da Espanha na Copa das Confederações eu tinha até que dar zoom! Para o jogo de hoje, nada de zoom, senão os times não apareceriam completos na imagem. São linhas bastante espalhadas, campo longo longo longo, uma característica que precisa mudar aqui no Brasil. Atenção, técnicos! Na imagem 1, Rogério sai com a bola. Percebam as distâncias enormes entre os jogadores do São Paulo. Os atacantes corintianos marcam na frente e impedem a saída com zagueiros e laterais. Os meio-campistas são-paulinos estão lá longe. E Luis Fabiano e Osvaldo somem no meio da última linha defensiva corintiana.

 

IMAGEM 2

A imagem 2 mostra o desenho do meio de campo em losango formado por Autuori no primeiro tempo. Rodrigo Caio à frente da zaga, com Wellington mais à direita, Denilson à esquerda e Ganso (agachado) no vértice superior. No segundo tempo, entrou Aloisio, e o time ficou no 4-2-3-1, com dois homens abertos pelos lados. Defensivamente, em termos coletivos (não individuais), o São Paulo teve um pouquinho mais de solidez ontem – dedo de Autuori. Ainda assim, considero que os homens de frente ficam muito afastados dos trabalhos defensivos quando o time é atacado.

 

IMAGEM 3

Saída de bola do São Paulo? Lançamentos de Rogério. Esse foi para Wellington, vejam a bola viajando pela intermediária. Ele vai receber a bola já com um volante corintiano em seu encalço. Com os atacantes a suas costas e bem distantes, sem ninguém vindo de trás para se associar. Ganso, ninguém sabe ninguém viu. Jadson é uma peça chave para Autuori. Trabalho duro, trabalho duro…

 

IMAGEM 4

Perdoem a falta de foco, prometo melhorar. Mas essa foto é a mais legal de todos, é colírio para os olhos. A tal pressão exercida pelo Corinthians no campo de ataque, o grande diferencial desse time e o resultado de anos de trabalho duro, tático e psicológico, de Tite. Emerson força para cima do lateral, Guerrero fecha o zagueiro, Romarinho faz o mesmo do outro lado. Danilo, Fábio Santos (à esquerda) e Guilherme (mais no alto da imagem) adiantam metros no campo para sufocar a saída de bola rival.

Alguns times esboçam algo parecido aqui e ali, o próprio Flamengo deu sinais contra o Vasco. Mas nenhum faz isso de forma sistemática e automatizada, como o Corinthians. Não dura o jogo todo, é verdade. Mas dura o suficiente para incomodar, e muito, os adversários.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.