Topo

Julio Gomes

A seleção em 5 imagens, os gols do Castelão e de Neymar

Julio Gomes

19/06/2013 18h41

Poucas vezes vi algo tão legal quanto o público de Fortaleza durante o hino do Brasil. Não sei se tem a ver com os protestos, com o momento vivido pelo país… de repente tem a ver com algo mais simples. Como todos cantavam o hino, mal deu para perceber que a gravação editada já havia acabado. Não dava para ouvir a música, todos continuaram até o fim. Não importa a razão, o como. Foi bonito demais, foi emocionante, de arrepiar.

Esse tipo de coisa é o diferencial emocional para quem joga em casa (o outro fator é a arbitragem, que em qualquer lugar do mundo "erra menos" para os times da casa). Quando o "Pátria Amada, Brasil!" saiu forte das mais de 50 mil vozes, os jogadores, com os braços nos ombros uns dos outros, saltaram, se apertaram, morderam os lábios. Eles queriam jogo. E estava na cara que o Brasil marcaria de cara, como marcou. O 1 a 0 saiu do Castelão, tanto quanto dos pés de Neymar.

Um gol que sai do talento que é a marca dos jogadores brasileiros, que é, talvez, a maior razão pela qual o Brasil ganhou tanto e ainda vai ganhar no futuro. Percebam, se puderem, os passes entre Daniel Alves, Paulinho e Hulk, em poucos metros e sempre pressionados, de primeira. A triangulação permite a Daniel ficar livre para cruzar para Fred. O zagueiro afasta como dá, e Neymar acerta aquele raro chute de esquerda, que não é a boa. Coisa de craque. A capacidade de finalização de Neymar é, na minha opinião, a maior virtude de seu jogo.

Por 15 minutos, o Brasil sufocou o México. Essa coisa de estádio coberto é muito legal, porque a acústica se transforma. O Castelão virou um verdadeiro caldeirão, inflamado. O time sentiu, reagiu, respondeu. Fez um, finalizou mais vezes, poderia ter feito o segundo. E não fez, correu riscos. Só saiu o segundo lá no fim, com o México todo no ataque e o campo inteiro para Neymar jogar do jeito que gosta, com espaço.

Dunga nunca admitiu, mas montou, com o que tinha, uma seleção de contra ataque. Luiz Felipe Scolari também não vai admitir. Mas segue sendo assim que os jogadores brasileiros se sentem mais confortáveis. A seleção é lenta e tem problemas para criar jogo quando o time rival está bem posicionado defensivamente. Por outro lado, a seleção é muito rápida e aguda quando recupera a bola e sai em velocidade no contra ataque. Os jogadores de frente têm muito talento e levam o pânico ao adversário.

A evolução do time em poucos meses é nítida, principalmente sem a bola. São mais jogadores envolvidos nas tarefas de marcação, então mais bolas são roubadas e mais situações de um contra um, dois contra dois, quatro contra três, etc.

Fazer gol no início vai ser sempre uma vantagem muito grande para o Brasil. Porque o time, depois, fica mais confortável para diminuir a velocidade do jogo, deixar o adversário com a bola e tentar sair forte no contragolpe. A torcida não pressiona, porque o time está ganhando. O adversário "ganha" a responsabilidade de jogar e, como consequência, deixa espaços. Com espaços, a individualidade aparece. Por isso, ouviremos uma overdose de Neymar nos próximos dias. Individualmente, ele resolveu um jogo que, coletivamente, não foi dos melhores – Felipão gesticulou e gritou na lateral do campo como não havia feito nas outras partidas.

Na segunda parte do primeiro tempo, o México dominou a posse de bola. Mas é um time que vive uma crise de gols, faltam homens que criem o passe para Chicharito. É um time bem armado, mas com dificuldades para criar oportunidades – não só hoje, é uma crise vivida nas eliminatórias da Concacaf para a Copa do ano que vem. Falta imaginação, falta criatividade.

No segundo tempo, o México foi empurrando, mas nunca criando chances claras. E o Brasil, com espaço, poderia ter matado o jogo e evitado o sufoco dos minutos finais.

Como fiz com a Espanha, no último post, tirei fotos do posicionamento do Brasil. Coisas que gosto e que não gosto. Todas abaixo.

 

IMAGEM 1

O típico problema do Brasil quando tem a bola e o outro time está posicionado. Lembram, no meu post passado, dos zagueiros da Espanha cinco metros à frente da linha de campo? Os do Brasil jogam mais perto da própria área que do círculo central! Luiz Gustavo faz linha com eles, e o jogo só tem saída pelos dois laterais ou por Paulinho. Vejam no meio de quantos mexicanos está Paulinho nesta imagem – por isso não é tarefa fácil ir ganhando metros. Os quatro homens de frente ficam muito distantes, é um time espalhado demais. Não considero culpa do atual treinador, isso é o futebol jogado no Brasil há anos e só muda com muito treino.

 

IMAGEM 2

Ainda a saída de bola. E, de novo, lembro do post anterior, em que explico a lógica espanhola de buscar maiorias em campo, sempre ter um número superior de jogadores. Aqui, a saída para o campo de ataque se dá por Marcelo, na esquerda. Quais são as opções? Somente duas. Ou dribla o mexicano ou passa para Neymar. Os outros três jogadores de ataque estão literalmente do outro lado do campo. O time está tão espalhado nessa imagem que David Luiz nem mesmo aparece na foto.

 

IMAGEM 3

Essa é uma jogada de ataque do México pela esquerda. Chamo a atenção para o posicionamento de Fred. Hoje, os times europeus (bons) têm absolutamente todos os jogadores comprometidos com a parte defensiva. Fred faz, em alguns momentos, um cerco aos jogadores de defesa rivais. Não é uma marcação intensa e, claramente, não é essa a exigência feita por Scolari. Conversei com vários jogadores sobre esse trabalho defensivo, sobre a "participação de todos". Eles dizem que essa é uma característica desse time, que todos trabalham, etc. Mas tenho dúvidas sobre o tamanho desse trabalho que, considero eu, deveria ser mais intenso. Está OK, mas dá para melhorar.

"O Felipão me cobra muito. Ele pede para atrapalhar os dois zagueiros e, principalmente, na bola parada. Tem que estar marcando sempre. Uma pressionada que você dá ali, eles saem um pouco errado e isso pode acabar em gol. Mas correr para trás é sempre ruim, né? Se desse para correr sempre para o gol, o gol, o gol… faz parte, é um sacrifício para o grupo", foi o que me disse Fred quando abordei o tema. Que atacante gosta de correr para trás??

Minutos antes do segundo gol do Brasil, o México chegou livre com Barrera para efetuar um cruzamento pela direita. Ele estava no mano a mano com Marcelo, e Hernanes levou um verdadeiro esporro de Scolari no lance. No entanto, se virmos como funcionam outros times, era Neymar quem deveria estar apoiando Marcelo por aquele lado, naquele lance aos 46 do segundo tempo. Neymar estava na linha do meio de campo, literalmente agachado, assistindo ao ataque mexicano. Na jogada seguinte, ele recebeu a bola com campo livre e criou o segundo gol. Enfim. Cada um enxerga o jogo como preferir. Na imagem acima, Fred poderia estar 10 metros mais recuado. No lance de fim de jogo, Neymar poderia estar marcando o ataque mexicano. É assim que eu vejo e respeito, lógico, outras visões. Repito, há evolução sem a bola mas, para partidas contra os gigantes, tem de haver mais.

 

IMAGEM 4

Mais uma jogada de ataque do México. Aqui, Fred e Neymar nem aparecem na imagem. É Oscar quem compõe a linha com Paulinho e Luiz Gustavo. Oscar não participou do jogo ofensivamente hoje, mas defensivamente ele é peça fundamental. Dos jogadores de frente, é, disparado, quem mais ajuda. "Todos têm que ajudar, a marcação começa lá na frente. Mas lógico que minha responsabilidade é diferente do Neymar e do Fred, porque eu tenho mais essa característica", me contou Oscar. Crítica e torcida precisam estar atentos a esse tipo de trabalho "sujo", que jogadores talentosos não gostam de fazer. Mas que ganham campeonatos.

 

IMAGEM 5

A grande qualidade do Brasil. Era um escanteio para o México, a bola foi afastada e caiu nos pés de Neymar, que carregou para o ataque. Vejam a quantidade de jogadores do Brasil: são 6 contra 5 depois do meio de campo. É assim que o Brasil constrói suas maiorias, saindo com muita velocidade e com muita gente no contra ataque, quando recupera a bola. Esse lance não deu certo, mas essas saídas sempre levam perigo demais ao rival.

Se sair sempre ganhando por 1 a 0, com esses gols que a torcida vai meter, depois a individualidade pode resolver no contra ataque. Não é uma fórmula das piores.

 

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.