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Julio Gomes

Hulk está jogando mais que Neymar, mas não tem o mesmo tratamento

Julio Gomes

09/06/2013 18h53

Em 15 anos de profissão, a seleção que eu mais acompanhei, disparado, foi a de Carlos Alberto Parreira no ciclo 2003-2006. Não necessariamente durante aquela Copa da Alemanha, mas durante o ciclo todo, amistosos, Copa das Confederações etc. Parreira tinha um modelo de time em sua cabeça. Um volante fixo e dois volantes-meias que ajudassem na marcação e também na criação de jogo. Na Copa, o desenho tinha Emerson, Juninho Pernambucano e Zé Roberto.

A pressão popular (da imprensa??), no entanto, foi mais forte. Só se falava em quarteto, quarteto, quarteto. Não bastavam Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo à frente dos três. A exigência do "bom futebol" era por mais um. Na Copa das Confederações de 2005, jogou o tal quadrado mágico – com Robinho e Adriano, já que Ronaldo não foi para a competição. Foi o melhor momento da seleção de Parreira, mas ainda assim ele insistia com o triângulo no meio. Sabia que era o sistema mais equilibrado.

Em todas, absolutamente todas as discussões sobre a formação ideal do time, quem caía fora era Zé Roberto. "Bota o Adriano e tira o Zé Roberto". "Bota o Robinho e tira o Zé Roberto". "Bota o Gilberto Silva e tira o Zé Roberto". "Bota o cone e tira o Zé Roberto". Qualquer que fosse a situação, ele era o "escolhido" da mídia e da torcida para deixar o time.

São fáceis, as explicações. Zé Roberto só havia jogado no Brasil na Portuguesa, passando rapidamente, e sem sucesso, pelo Flamengo. Depois, "sumiu". Sumiu para quem só olha para o próprio umbigo. Zé Roberto é um dos jogadores de futebol mais completos que já vi jogar em toda a minha vida e, como tal, brilhou por onde passou na Europa. Quem acompanhou, sabe o respeito que adquiriu por lá. Como craque que é, até hoje, inclusive, foi, disparado, o melhor jogador do Brasil naquela Copa-2006. Talvez o único que tenha se salvado na campanha.

Aí ele veio pro Santos. E aí, finalmente, crítica e torcida passaram a conhecê-lo e reconhecê-lo. "Descobriram" o Zé Roberto.

Por que conto essa curta história? Porque me parece que, hoje, Hulk está virando o Zé Roberto de Felipão. Poucas pessoas sequer viram qualquer jogo, vejam bem, UM JOGO, do Hulk fora da seleção brasileira. E, em qualquer análise que se faça, em qualquer uma, qualquer torcedor e maioria esmagadora dos jornalistas, é exigida a saída de Hulk do time.

Oras. Quem analisar com um mínimo de bom senso saberá que Hulk fez, até agora, um jogo ruim e três belíssimas partidas com a seleção de Scolari. Foi bem mal contra a Itália, em Genebra. Mas mudou o jogo contra a Rússia, em Londres, e teve ótimas atuações contra Inglaterra e França. É um jogador de força, de velocidade, que aporta elementos interessantes para quebrar retrancas – como o chute forte a gol – e que defende bem. Tem uma consciência tática de fechar espaços que Oscar, por exemplo, tem, mas que Neymar e Lucas, por exemplo, ainda não têm. E Fred dificilmente terá.

Muito pedem Lucas no time. Eu acho lícito. Dou uma lista inteira de razões pelas quais Lucas deva jogar no lugar de Hulk. E dou outra lista inteira de razões pelas quais Hulk deva ser o titular. No fim, tudo depende da maneira como o técnico quer jogar. Agora, por que se fala tanto de tirar Hulk do time e não de Neymar??

Neymar não jogou bem ainda com Felipão. Em nenhum momento. Nenhum jogo. No clube, vivia uma seca gigante de gols e bom futebol. Podem haver várias razões para a má fase de Neymar, desde desgaste físico até mesmo a pressão de ser o jogador número um do país, a novela da transferência. Mas, dado o fato de Neymar não estar jogando nada há meses, será que ele precisa mesmo estar no time? Por que é absurdo falar que Hulk fez por merecer ser titular na Copa das Confederações e Neymar, não?

Eu entendo completamente a escalação dos dois. E, acho, se estivesse sentado no lugar de Scolari, que eu faria o mesmo (apesar da má fase do neo-culé). A bola que levanto aqui é: por que um tratamento tão diferente? Por que Neymar é intocável para quem analisa e Hulk é sempre o primeiro na fila da guilhotina?? Acho injusto, irresponsável e equivocado. É lícito querer Hulk fora do time. Não é lícito, no entanto, criticar um jogador porque não conhece seu jogo, nunca passou por um time grande do Brasil e não tem o carisma/mídia de outros.

No jogo contra a França, Scolari encontrou seu time titular, com Marcelo (muito bem) no lugar de Filipe Luis. Tenho certeza, no entanto, que Felipão gostou mais do jogo da Inglaterra do que o de hoje. Aquele foi um empate injusto, em um jogo que o Brasil teve volume e criação. A vitória de hoje foi bastante enganosa pelo futebol não apresentado.

Repito, nunca deixarei de repetir. Futebol não pode ser analisado somente por resultados. Não podemos viver na dinâmica do "ganhou, está bom", "empatou ou perdeu, está ruim". O Brasil ganhou, mas não jogou bem. O primeiro tempo foi lamentável, sem conseguir fazer nada diante do bom sistema defensivo de Deschamps. No segundo tempo, o gol muda tudo. E o gol sai de um lance irregular (falta de Luiz Gustavo).

A França estava adormecida e, com a tranquilidade do placar , o Brasil cresceu. O grande mérito do time foi buscar a vitória, percebia-se facilmente no campo um time que buscava e outro que sonhava (com as férias). Num contra ataque, saiu o segundo gol. Depois, o terceiro, de pênalti. Felipão está testando e aprendendo sobre seu time, mas sabia que uma vitória era importante para dar moral e tranquilidade. Ela veio.

Novamente, o treinador testou uma formação diferente. Com um volante mais fixo (Fernando) e dois volantes-meias mais avançados (Luiz Gustavo, depois Hernanes, e Paulinho). Paulinho joga como joga no Corinthians porque tem um volante atrás e dois laterais que quase não avançam. Na seleção, com dois laterais que sobem muito, Paulinho tem de ficar na marcação. E aí, ele não é ele. Ou tem de sair do time ou tem mesmo que jogar no sistema de triângulo do meio de campo, ao lado de Hernanes e com Fernando ou Luiz Gustavo atrás na proteção.

Se bem conheço Luiz Felipe Scolari, ele está gostando bastante do sistema com três homens que deem sustentação ao meio de campo e tranquilidade aos laterais. Usará como variação em todos os jogos, se é que não oficializará como o sistema principal. E aí? E se Luiz Gustavo, Hernanes e Paulinho estiverem juntos no time titular? Quem sai? Será mesmo que tem que ser Hulk? Ou há outro destoando ali no quarteto da frente? Será que podemos, ao menos, discutir Neymar??

PS – antes do massacre, chamo atenção para o título deste post. Não digo que Hulk jogue mais bola que Neymar. Digo que Hulk está jogando melhor. Não é uma discussão sobre quem seja melhor e, sim, quem esteja melhor às vésperas de uma competição oficial.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.