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Julio Gomes

José está de volta para casa e com a namorada com quem foi mais feliz

Julio Gomes

04/06/2013 14h30

José era um gajo muito inteligente e emotivo. Estudioso desde a adolescência, não hesitou, como muitos em seu país, ao tomar a decisão de viver fora junto com um tio bem mais velho e aprender, absorver conhecimento, agregar idiomas e experiência.

Conheceu uma moça linda na escola, ela chamava-se Núria. De forte personalidade, muito apegada a seus valores locais e conhecida por todos. Apaixonou-se e fez uma promessa a si mesmo. Um dia, ela seria sua.

Foi-se embora quando o colégio técnico lhe chamou, a ansiedade era grande, era preciso voltar à sua terra. A batalha interna entre razão e emoção sempre foi muito intensa, um verdadeiro cabo de guerra que só José conhece. A razão quase sempre ganha, no entanto.

José teve outras namoradas. Duas delas, as meninas mais famosas do bairro. Uma, Luz, passou rápido por sua vida. O outro namoro, com Lourdes, foi intenso e feliz. A família toda adorava José e muitos pensavam que o namoro seria para sempre, mas o garoto ainda era muito novo, havia concluído seu curso com êxito, e o bairro ficara pequeno. A fama, pela incrível competência, já se espalhava pelo mercado.

Partiu José para a universidade – uma instituição antiga, mas que só agora estava fazendo investimentos importantes. Lá, ele fez chover. As coisas davam certo, o reitor e os outros colegas eram quase devotos. Namorou a mais rica das moças, Elizabeth, o casamento parecia inevitável. Ela era perfeita para ele: de família milionária, dava suporte a todos os seus projetos. Famoso e admirado, podia arriscar e até errar. Levou o nome da universidade para o mundo. Era o verdadeiro dono do pedaço.

José, inquieto, começou a deixar que a emoção tomasse conta da razão. Estava tão certo de si que pouco ouvia o que os outros falavam. Alguns de seus seguidores e pupilos lhe deram as costas. Como todas as relações na vida, a dele com sua amada começou a ficar desgastada. Já não havia mais dinheiro para as experiências, jantares, festas e compras. As brigas se sucediam. Ele fez as malas e foi embora com o coração partido.

Era tempo de rever amigos da escola, se apoiar no passado para superar o momento difícil. José sempre havia sido dono de seu destino, aquele pé no traseiro desferido por Elizabeth havia sido um duro golpe.

Um amigo de infância contou que aquele seu primeiro amor, Núria, de tantos anos atrás, estava em um momento difícil. Havia perdido o namorado de anos, fora abandonada por amigas, estava depressiva. Era a grande chance para José. Ele mandou flores, convidou para jantar no melhor restaurante, mostrou todos os projetos de sucesso.

Mas Núria não queria José e tinha uma maneira curiosa de dispensá-lo. "Vete al teatro", dizia ela. Núria era apaixonada por Pep, um velho amigo de José dos tempos de escola. Eles eram muito diferentes, realmente. Se davam bem, mas eram pessoas distintas. Pep, um garoto popular desde cedo, de uma família local, enquanto José nunca havia deixado de ser o menino de fora, o estrangeiro. Pep, mais bonitão, filósofo, um apaixonado. José, um prático, competitivo demais, até. Núria sempre havia tido uma queda por Pep, mas naquela época de criança eram todos muito inocentes.

Agora, não. José era um homem feito, enquanto Pep mal havia saído do bairro. Ser esnobado daquela maneira por Núria doía como a morte de alguém querido. José jurou vingança.

Botou o pé na estrada novamente e fez seu mestrado. Conheceu uma moça experiente, teve um lindo caso de amor com Francesca. Rápido, mas inesquecível. A sintonia era total, os projetos deram certo, ganhou o prêmio máximo europeu. Era uma tese estranha, relacionada a estacionamentos específicos de grandes veículos, como ônibus. Teve sucesso, apesar da desconfiança geral. Mas aquele não era seu lugar. Deu um longo beijo em Francesca, que ficou destroçada e nunca mais se recuperou. Guardou uma foto com carinho. E foi-se embora, pois era a hora da vingança.

Dias antes, recebera uma carta de Sofia. Inimiga número um de Núria desde os tempos de escola, até mesmo as famílias se odiavam. Pep, finalmente, havia decolado em sua carreira profissional, estava tocando projetos importantes e reconhecidos no mundo inteiro. Tudo ia bem entre Pep e Núria, até que José voltou e tudo ficou conturbado.

O romance de José com Sofia foi cheio de altos e baixos e eles logo se casaram. Foi muito mais um acordo do que paixão verdadeira. Muito rica, ela financiou todos os seus caprichos e o mestrado, que tinha uma tese final com enunciado estranho: "como avançar 100 metros em quatro toques". No início, as coisas foram bem. José fez a empresa do pai de Sofia assumir a liderança do mercado, deixou Pep em parafuso e ele até terminou o namoro com Núria. Era uma vitória pessoal de José, mas ao mesmo tempo tudo ficou estranho, sem a presença do grande inimigo na concorrência. Núria nem olhava em sua cara. A amizade de infância virou ódio puro.

Com o passar do tempo, José e seus planos mirabolantes começaram a causar preocupação em alguns familiares. Custava muito caro, o novo namorado de Sofia! A família se dividiu. O pai de Sofia, Dom Pérez, até que gostava de José. Mas ele havia arrumado problemas com primos, tios, até os netinhos e médicos da família. Nem mesmo o porteiro da casa ele conseguia trocar! Os funcionários da fábrica, que não faziam parte da família, gostavam muito dele. Mas não havia mais condições de ficar naquele lugar.

José não aguentava ter que passar por tantos crivos familiares. Ele era mestre em sua área, um profissional renomado e de sucesso. Em um mundo moderno e competitivo, aquela família era um verdadeiro atraso. José nem mesmo se reconhecia em alguns momentos. Aquele garoto animado, empolgado e espirituoso havia se transformado em um homem carrancudo, amargurado, raivoso. José não estava feliz e começou a pensar no divórcio.

Plim. Mensagem no celular.

"José, my love. Nunca te esqueci. Não sou mais rica. Percebi que o dinheiro não é tudo na vida. Meus outros homens foram efêmeros, apelei até para o garçom espanhol, lembra dele? Nada deu certo. Você não quer voltar para casa? Estamos todos de braços abertos. Você é muito importante para nós, a empresa do papai ganhou aquele prêmio que você não conseguiu, mas está tudo bagunçado e a gente precisa de toda essa experiência que você adquiriu. Você é o special one. Assinado: Yours, Elizabeth."

José não pensou duas vezes. Elizabeth não tem o charme de Sofia. Nem a experiência de Francesca. Não é bela como Núria. Mas ele nunca havia sido tão feliz. Vai poder trabalhar em paz, do jeito que ele gosta. Com mais razão e menos emoção, sem aqueles chatos com microfones, blocos e canetas fazendo perguntas idiotas. Ali não tem primo para encher o saco. É só não se queimar com o pai, chamado de Russão pelos íntimos, e ele pode fazer as coisas à sua maneira. Era a hora de ganhar o prêmio de novo.

Menu do celular. Mensagens. Nova. Digitar.

"Elizabeth, nunca te esqueci e nunca deixarei de te amar. O endereço é o mesmo? A Internet está funcionando? Estou chegando amanhã. Mande um abraço para o teu pai. Marque o casamento. Beijos, José".

José, finalmente, vai poder trabalhar do jeito que gosta. Tem mais uma chance para ser feliz onde mais se sentiu à vontade na vida, no lugar que mais gostou, com a mulher que mais lhe fez feliz. Sofia e Núria seguem se odiando. Francesca não sai da depressão. Lourdes continua arrumando namorados melhores do que Luz. Pep foi trabalhar em outra empresa, que hoje é a melhor do mundo.

Em agosto, José e Pep têm um novo encontro marcado. Esse mundo realmente é uma bola.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.